Crise sistémica global
EUA-Reino Unido: O par explosivo do 2º semestre de 2010
-Verão de 2010, a batalha do Banco da Inglaterra
-Inverno de 2010, o Fed enfrenta o risco de falência
Como o LEAP/E2020 já havia antecipado há vários meses, e
ao contrário do que têm dito a maior parte dos media e dos
"peritos" no decorrer das últimas semanas, a Grécia tem
a Eurozona para lhe dar apoio e credibilidade (nomeadamente em matéria
de futura boa gestão, única garantia de uma saída do ciclo
infernal dos défices públicos crescentes
[1]
). Não haverá portanto cessação de pagamento grego
mesmo que a agitação em torno da situação grega
seja certamente o indicador de uma tomada de consciência crescente de que
o dinheiro está cada vez mais difícil de encontrar para financiar
o imenso endividamento público ocidental: um processo doravante
"insustentável" como sublinha um relatório recente do
Banco de Pagamentos Internacionais
.
O ruído em torno da Grécia, por parte dos media ingleses e
americanos em particular, terá tentado esconder à maior parte dos
actores económicos, financeiros e políticos o facto de que o
problema grego não era o sinal de uma próxima crise da zona Euro
[2]
, mas de facto um indício avançado do próximo grande
choque da crise sistémica global, a saber a colisão entre, de um
lado, a virtualidade das economias britânica e americana fundamentadas
num endividamento público e privado insustentável e, por outro, o
duplo muro da maturidade dos empréstimos vindo a vencer a partir de 2011
acumulado com a penúria global de fundos disponíveis para se
refinanciarem em boas condições.
Como explicámos desde Fevereiro de 2006, aquando da nossa
antecipação sobre a sua iminência, não se pode
esquecer que a crise actual encontra a sua origem no afundamento da ordem
mundial criada após 1945, de que os Estados Unidos tem sido o pilar,
secundado pelo Reino Unido. Além disso, para compreender a
dimensão real dos acontecimentos gerados pela crise (como o caso grego
por exemplo), convém relacionar o seu significado com as fraquezas
estruturais que caracterizam o coração do sistema mundial em
plena deliquescência: assim, para a nossa equipe, o "dedo
grego" não mostra à Eurozona senão os perigos
explosivos das necessidades exponenciais de financiamento do Reino Unido e dos
Estados Unidos
[3]
.
Recordemos que no decorrer de um período em que a procura de
financiamentos ultrapassa a oferta disponível, como é o hoje o
caso, os montantes de emissão de dívidas soberanas em valor
absoluto desempenham um papel mais importante que os rácios (montantes
em valor relativo). Um exemplo muito simples pode demonstrá-lo: se
você dispuser de 100 euros e tiver dois amigos, um "pobre", A,
que precisa de 30 euros e outro "rico", B, de 200 euros; mesmo se B
puder dar-lhe como garantia o seu relógio de luxo que vale 1000 euros ao
passo que A não tem senão um relógio de 20 euros,
você não poderá ajudar B pois não disporá de
meios suficientes para satisfazer a sua necessidade de financiamento.
Então, ao discutir garantia e juro, você poderá decidir
fazê-lo para A. Esta colocação em perspectiva invalida
assim todos os raciocínios que florescem na maior parte dos media
especializados e que são fundamentados no rácio de endividamento:
de facto, segundo o seu raciocínio, é evidente que você
irá ajudar B, uma vez que a sua taxa de endividamento é
claramente mais favorável (20%) do que aquela de A (150%); mas no mundo
da crise, onde o dinheiro não está disponível em
quantidades ilimitadas
[4]
, a teoria choca-se contra o muro da realidade: querer é uma coisa,
poder é outra.
Assim, o LEAP/E2020 coloca duas questões muito simples:
- quem poderá/desejará sustentar o Reino Unido após 6 de
Maio próximo quando a sua desordem política revelará
inelutavelmente a deliquescência avançada de todos os seus
parâmetros orçamentais, económicos e financeiros?
A situação financeira do país é de tal modo
perigosa que os tecnocratas responsáveis pelo Estado elaboraram um
plano, submetido aos partidos em liça nas próximas
eleições legislativas, a fim de evitar todo risco de vazio de
poder que poderia implicar um afundamento da Libre esterlina (já muito
enfraquecida) e dos títulos do tesouro (Gilts) britânicos (de que
o Banco da Inglaterra recomprou 70% da emissões destes últimos
meses): Gordon Brown permaneceria primeiro-ministro mesmo se perdesse as
eleições (salvo se os Conservadores puderem dotar-se de uma
maioria suficiente para governarem a sós)
[5]
. Com efeito, sobre o fundo de crise económica e política, a
sondagens dão a entender que o país se orienta para um
"Parlamento atado"
(
"Hung Parliament"
),
sem maioria clara. A última vez que isto aconteceu foi em 1974,
espécie de condição política prévia para
intervenção do FMI dezoito meses mais tarde
[6]
.
De resto, o governo manipula os indicadores num sentido positivo a fim de criar
as condições de uma vitória (ou de uma derrota
controlada). Contudo, a realidade permanece deprimente. Assim, o
imobiliário britânico está enrascado numa depressão
que impedirá os preços de recuperarem os seus níveis de
2007 antes de várias gerações (o que equivale a dizer
nunca) segundo o Lombard Street Research
[7]
. E os três partidos preparam-se para enfrentar uma
situação pós-eleitoral catastrófica
[8]
. Segundo o LEAP/E2020, o Reino Unidos poderia experimentar uma
situação "à grega"
[9]
, com a declaração pelos dirigentes britânicos de que de
facto a situação do país é infinitamente pior que a
anunciada antes das eleições. Os múltiplos encontros, no
fim de 2009, do ministro britânico das Finanças, Alistair Darling,
com o Goldman Sachs constituem um indício muito fiável de
manipulação em matéria de dívida soberana. Com
efeito, como escrevíamos no último GEAB, basta seguir o Goldman
Sachs para conhecer o próximo risco de cessação de
pagamento de um Estado.
- quem poderá/desejará sustentar os Estados Unidos depois de o
detonador britânico
[11]
ter sido aceso, desencadeando o pânico no
mercado das dívidas soberanas em que os Estados Unidos são de
longe o primeiro emissor?
Uma vez que a amplitude das necessidades em matéria de dívida
soberana conjuga-se com a chegada à maturação a partir
deste ano de uma montanha de dívidas privadas americanas
(imobiliário comercial e
LBO
para refinanciar, num total de US$ 4200 mil
milhões de dívidas privadas chegando à
maturação nos Estados Unidos daqui até 2014 (com uma
média em torno do US$ 1000 mil milhões por ano)
[12]
. Por azar, é o mesmo montante da emissão global de novas
dívidas soberanas só no ano de 2010, cerca de metade da qual pelo
governo federal americano. Acrescentando-se a isso as necessidades de
financiamento dos outros actores económicos (famílias, empresas,
colectividades locais), são aproximadamente US$5000 mil milhões
que os Estados Unidos vão ter de encontrar em 2010 para evitar a
"falta de gasolina".
A nossa equipe antecipa duas respostas igualmente simples:
- em relação ao Reino Unido, o FMI e talvez a UE
[13]
; vamos assistir a partir do Verão de 2010 à "batalha do
Banco da Inglaterra"
[14]
para tentar evitar um afundamento simultâneo da Libra esterlina e das
finanças públicas britânicas. Em qualquer caso, a Libra
não sairá indemne e a crise das finanças públicas
vai gerar um plano de austeridade de uma amplitude sem precedente.
- em relação aos Estados Unidos, ninguém;
pois a amplitude das necessidades de financiamento ultrapassará as
capacidades dos outros operadores (FMI inclusive
[15]
) e este episódio implicará directamente, no Inverno de
2010/2011, a explosão da bolha dos títulos de Tesouro dos EUA num
fundo de re-alteamento maciço das taxas de juro para financiar as
dívidas soberanas e as necessidades de refinanciamento das
dívidas privadas, implicando uma nova vaga de falências de
estabelecimentos financeiros. Mas não são apenas os Estados que
podem entrar em cessação de pagamento. Um banco central pode
também falir quando o seu balanço é composto de
"activos fantasma"
[16]
e o Fed terá de enfrentar um risco real de falência como
analisamos neste número do GEAB. O Inverno de 2010 vai igualmente ser o
teatro de um outro fenómeno desestabilizador nos Estados Unidos: o
primeiro grande teste eleitoral desde o princípio da crise
[17]
em que milhões de americanos vão provavelmente exprimir o seu
"exaustão" com uma crise que dura
[18]
, que não afecta Washington nem a Wall Street
[19]
e que gera um endividamento público americano doravante
contra-producente: um dólar tomado emprestado gera doravante uma
menos-valia de 40 centavos (ver gráfico).
Pode-se não estar de acordo com as respostas da nossa equipe às
duas questões acima colocadas. Contudo, estamos convencidos de que estas
questões são incontornáveis: nenhuma análise,
nenhuma teoria sobre a evolução mundial dos próximos
trimestre é crível se não der respostas claras a estas
duas interrogações
- "quem poderá/desejará?".
De nossa parte, pensamos como Zhu Min, o governador adjunto do banco central
chinês, que
"o mundo não tem bastante dinheiro para comprar ainda mais
títulos do Tesouro americanos"
[20]
.
Neste GEAB Nº 44, a nossa equipe decidiu pois focar estes riscos maiores
que pesam sobre o Reino Unido e os Estados Unidos e antecipar as
evoluções dos próximos meses, no contexto crescente de uma
"guerra de veludo" entre potências ocidentais (guerra
financeira, monetária, comercial). E revelamos uma série de
recomendações para enfrentar o duplo choque das necessidade de
financiamento britânicas e americanas.
Notas:
(1) É o tipo de constrangimento que o Reino Unidos terá de
impor-se por si só após as próximas eleições
ou através de uma intervenção directa do FMI; e que os
Estados Unidos são incapazes de se imporem sem que uma grande crise
afecte a sua dívida pública.
(2) Não só o medo difundido extensamente em entrevistas de
peritos era sem fundamento, mas além disso o caso grego serviu para
pressionar a zona Euro a dotar-se dos instrumentos e procedimentos que lhe
faltavam em matéria de governação. E não
mencionamos mesmo a evidente frustração de numerosos comentadores
e peritos que teriam sonhado ver a Alemanha recusar a sua solidariedade e/ou
que faziam do caso grego a prova das suas teorias económicas sobre as
zonas monetárias. A este respeito, a equipe do LEAP/E2020 deseja
recordar a sua opinião: as teorias económicas, quer sejam sobre
zonas monetárias ou outros assuntos, têm tanto valor quanto os
horóscopos. Elas nada dizem sobre a realidade mas tudo sobre o
espírito dos seus autores e daqueles que eles "miram" com as
suas análises. Uma zona monetária não existe e não
dura senão se houver uma vontade política forte e perene de
partilhar um destino comum: o que é o caso da Eurozona. Para
compreende-lo, há que se interessar pela História e não
pela economia. Assim, para evitar repetir ao longo de artigos seus preconceitos
de baby-boomer e seus dogmas teóricos, um prémio Nobel da
economia como Paul Krugman faria melhor em estudar a História. Isso
permitiria aos leitores do
New York Times
e a numerosas outras publicações que os republicam no mundo
inteiro deixarem de se focalizar erradamente sobre umas poucas árvores
que escondem a floresta.
(3) Como temos recordado frequentemente desde há mais de um ano,
é bem evidente que a zona Euro possui também países que
enfrentam necessidades de financiamento muito importantes e isto contribui
justamente para criar um ambiente difícil para o refinanciamento de toda
dívida pública importante. Ora, os dois
"campeões" em todas as categorias em matérias de
necessidades financiamento/refinanciamento são os Estados Unidos e o
Reino Unido.
(4) Insistimos sobre este facto essencial: os salvamentos de bancos pelos
Estados, implicando doravante os riscos de falência destes mesmos
Estados, ilustram o facto de que, ao contrário dos discursos
tranquilizadores que povoam os media, o dinheiro não está
disponível em quantidades ilimitadas. Quando todo o mundo tem
necessidade, é nesse momento que se percebe.
(5) Fonte: Guardian, 30/03/2010
(6) Fonte: BBC / National Archives, 29/12/2005
(7) Fonte: Telegraph, 06/04/2010
(8) Fonte: The Independent, 06/04/2010
(9) Foi após a sua vitória eleitoral que os novos dirigentes
gregos declararam que a situação orçamental do país
era muito pior que a anunciada.
(10) Estas estimativas são fundamentadas nas antecipações
oficiais do governo federal que, segundo LEAP/E2020, são demasiado
optimistas tanto em matéria de receitas fiscais (as receitas
serão mais fracas) como no que se refere às despesas de
estímulo da economia estado-unidense (as despesas serão mais
elevadas).
(11) Desde 2006, através de numerosos GEAB, explicitámos
amplamente as ligações estruturais entre a City e a Wall Street e
o papel de "flutuador" desempenhado o Reino Unido em
relação ao navio americano. No caso, a desconfiança em
relação à dívida de Londres desencadeará de
maneira irreversível uma desconfiança em relação
à de Washington.
(12) Fonte: Brisbane Times, 15/12/2009
(13) Talvez, pois não há nenhum mecanismo de solidariedade
financeira que se imponha na UE, sobretudo para um país que recusa desde
há décadas todo compromisso constrangedor com os seus parceiros
europeus. O "esplêndido isolamento" pode tornar-se uma
terrível armadilha quando o vento muda de rumo. Resta portanto o FMI ...
de que no ano passado Gordon Brown estava estranhamente preocupado em encher
novamente as caixas!
(14) E ao contrário da batalha da Inglaterra (Junho/1940
Outubro/1940) que viu os pilotos da RAF, apoiados pelo radar, impedir a
invasão nazi das ilhas britânicas, os "pilotos" dos
estabelecimentos financeiros da City, apoiados pela Internet,
contribuirão para agravar o problema fugindo para a Ásia e a
Eurozona.
(15) No princípio de 2009 o LEAP/E2020 havia indicado que uma vez
ultrapassado o Verão de 2009 seria impossível canalizar a crise.
No ano passado, as necessidades de financiamento dos EUA ainda estavam dentro
da gama das intervenções possíveis de um FMI
recapitalizado à altura dos US$500 mil milhões (a seguir ao G20
de Londres). Além do facto de que esta soma já não
está disponível na sua integralidade uma vez que o FMI já
teve de desembolsar mais de US$100 mil milhões com ajuda aos
países mais gravemente afectados pela crise, este ano a
mobilização deste montante não representaria senão
10% das necessidades a curto prazo dos Estados Unidos. Dito de outro modo, uma
gota de água.
(16) Como o demonstraram as informações finalmente comunicadas
pelo Fed sobre o estado do seu balanço. Fontes:
Huffington Post,
22/03/2010;
Le Monde,
06/04/2010
(17) A eleição presidencial de 2008 foi concomitante com a
percepção de que começava uma crise. Em Novembro de 2010,
os eleitores exprimiram suas opiniões após dois anos cheios de
crise. É uma grande diferença.
(18) Ao contrário do que proclamam a Wall Street e Washington, a crise
está sempre presente as PME americanas estão cada vez mais
pessimistas. Um pormenor muito útil para compreender as
estatísticas dos EUA: elas geralmente ignoram as PME no estabelecimento
dos seus diferentes indicadores. Quando se sabe que também nos Estados
Unidos as PME constituem a base da economia, isso relativiza fortemente o valor
destas estatísticas (mesmo não manipuladas). Fonte: MarketWatch,
13/04/2010
(19) Para avaliar a amplitude do problema sócio-político
americano, não é tanto a relação de forças
Democratas/Republicanos que será interessante acompanhar, mas sim a
evolução dos extremos no seio destes dois partidos e o
desenvolvimento de tudo o que se situar fora destes dois partidos.
(20) Fonte:
Shanghai Daily,
18/12/2009
15/Abril/2010
[*]
Global Europe Anticipation Bulletin.
O original encontra-se em
www.leap2020.eu
Este comunicado público encontra-se em
http://resistir.info/
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