Os artifícios e volteios do Federal Reserve

por Rick Wolff [*]

O Federal Reserve é conduzido por um tipo de rapaz com a crença inveterada em que "o mercado livre resolve melhor todos os problemas económicos". O Sr. Bernanke ama Milton Friedman apaixonadamente e diz isso. É exactamente o que o big business quer ouvir quando está a fazer montes de dinheiro, quando quer reduções fiscais para expandir lucros, e quando quer desregulamentação do governo pela mesma razão. Mas por estes dias o big business e especialmente os grandes negócios das finanças querem ouvir uma canção diferente. É por isso que alguma coisa andou muito errada no mercado livre. De certo modo, normalmente bancos, hedge funds, correctores de títulos, companhias de hipotecas e companhias que classificam os riscos associados com tudo o que eles fazem embarcaram na pista errada. Eles empurraram empréstimos sobre pessoas e negócios que não podiam ser capazes de reembolsá-los, atraíram outros a participar naqueles empréstimos e nem sempre foram claros e honestos acerca dos riscos envolvidos. Assim, subitamente, quando alguns dos tomadores de empréstimos já não puderam reembolsar os juros ou o principal que possuíam, o sistema de crédito começou a descosturar-se. Os prestamistas tornaram-se penosamente conscientes de que os IOUs [1] que detinham valiam muito menos do que haviam pensado. Chocados e intimidados, reduziram o empréstimo de dinheiro. Hoje em dia, já não confiam em ninguém. Os tomadores de empréstimos – tanto aqueles que são apostas de risco como aqueles que não são – tem cada vez maior dificuldade em obtê-los. Num capitalismo absolutamente dependente do crédito maciço e de redes entrelaçadas, uma ruptura na relação prestamista-prestatário ameaça a economia e além disso a sociedade como um todo.

O livre mercado, a ideologia da não-intervenção-governamental, encontra-se num rude impasse. Assim, o Federal Reserve do Sr. Bernanke efectuou um corte drástico nas taxas de juros a 18 de Setembro . Vamos ser claros aqui. O governo interveio para fazer dinheiro para os bancos, ou mais precisamente para imprimir e distribuir dinheiro aos bancos. Aos bancos agradecidos foi dito que o seu custo de juros para obter este novo dinheiro emitido pelo governo doravante seria muito mais barato. O governo espera que os bancos, regados com este novo dinheiro barato, emprestem e assim ressuscitem o sistema de crédito. Se eles o fizerem, isso pode impedir que a crise financeira se torne uma crise económica geral. O governo – conduzido pelos ideólogos anti-governo do mercado livre – está a tentar resgatar o capitalismo dos mercados livres financeiros escapados ao controle e que ameaçam toda a economia.

Mais interessante do que esta revelação das contradições entre como funciona o capitalismo (ou não funciona) e as suas ideologias é considerar o que este governo não fez para corrigir os problemas actuais. O mês passado assistiu a um quarto de milhão de arrestos de lares nos EUA . Um grande contribuidor para a actual crise financeira é a incapacidade do proprietários de casas de continuarem a pagar mensalmente as obrigações da hipoteca. Assim, um caminho que o governo pode tomar para melhorar a situação é ajudando estes proprietários de casa a efectuarem aqueles pagamentos ou fazer os pagamentos para eles ou emprestar-lhes o dinheiro para fazer os pagamentos. Não só nada disto foi feito como há pouca probabilidade de algo ser feito dentro em breve para "aflitos" proprietários de casas – cujo número estima-se atingir mais de 2 milhões dentro de um ano.

Nem o governo está mesmo a considerar, sem mencionar fazer alguma coisa, as indústrias habitacionais. E isto apesar do facto óbvio de que os negócios "desregulados" entre os construtores, financeiros, correctores hipotecários e indústrias de títulos foram causas da crise económica de hoje. Aparentemente, o governo deve guardar distância da "eficiência" do mercado livre até que ocorram os colapsos. Então, quando o governo é chamado para "resolver" aquele problema, explodem as lutas sobre quem se beneficiará com a "salvação" ("bail out") do governo e quem não se beneficiará. Não é difícil adivinhar quem vence estas lutas. Os bancos já são os primeiros beneficiários da intervenção do Federal Reserve, enquanto os executados observam piedosamente, do lado de fora, os arrestos das suas antigas casas.

Na Ásia e em Nova Orleans, foi um tsunami e um furacão que tirou os lares das pessoas. As suas economias capitalistas e os governos não tomaram os passos necessários e perfeitamente possíveis para impedir ou responder humanamente àqueles desastres. Nos EUA de hoje, nenhum evento tempestuoso afectou o nosso desastre. Ao invés disso temos uma crise financeira do capitalismo e as "políticas" particulares do Estado por ele controlado que se combinam para privar milhões dos seus lares. Enquanto na Ásia e em Nova Orleans os sem abrigo viram os sues antigos lares destruídos fisicamente, aqui os sem abrigo contemplarão os seus antigos lares, intactos e vazios, fitando-os mais uma vez.

No capitalismo contemporâneo, a interdependência das corporações e do Estado torna absurdo olhar para um ou outro em busca de soluções para o problema gerados pelo seu confortável relacionamento. Os debates sobre se o capitalismo regulado é melhor ou pior do que o capitalismo desregulado, sobre mais intervenção do governo é melhor do que menos, não captam o ponto principal. Os problemas sociais básicos de hoje emergem da interacção desta espécie de economia e desta espécie de Estado. Mais ou menos de um versus o outro garante pouca ou nenhuma mudança básica e assim ou poucas ou nenhumas soluções para os problemas deste sistema, tais como as crises actuais das finanças e da habitação.

[1] IOU: I owe you. Acordo escrito para a devolução de uma dívida.

[*] Professor de Ciências Económica na Universidade de Massachusetts - Amherst.   Autor de muitos livros e artigos , incluindo (com Stephen Resnick) Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR (Routledge, 2002) e (com Stephen Resnick) New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006).

O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/wolff190907.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
21/Set/07