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							A terceira onda da crise: 
							  O capitalismo no olho do furacão
						
							 desarticulação monetário-financeira,
							depressão prolongada e lutas sociais
						
							 A crise sistêmica global encaminha-se para um novo patamar de
							ebulição, com impactos muitos mais explosivos do que em 2008,
							quando quebrou o Lehmon Brothers.  Podemos dizer que aquele episódio,
							apesar das conseqüências devastadoras para a economia mundial e,
							especialmente, para os Estados Unidos, deve ser considerado apenas como o
							início da crise sistêmica global. As contradições
							violentas que se acumularam no interior do sistema capitalista desde a
							década de 70 e se aprofundaram com as políticas monetaristas nas
							décadas de 80 e 90, ainda não se manifestaram em toda a sua
							plenitude. Estamos nos aproximando de mudanças quantitativas e
							qualitativas no interior da ordem internacional capitalista, tais como a
							desarticulação do sistema monetário-financeiro que emergiu
							após a Segunda Guerra Mundial, a depressão prolongada na grande
							maioria dos países capitalistas centrais, especialmente na
							economia-líder, e a retomada das lutas sociais em dimensão
							global. 
 O período que se abre agora vai entrecruzar um conjunto de
							fenômenos explosivos que tornarão o início da crise apenas
							como a primeira ventania antes da grande tempestade.  Passado o período
							de tensa calmaria ocorrido em função das injeções
							trilionárias de dólares pelos governos dos países
							centrais, principalmente os EUA, ocasião em que os meios de
							comunicação procuraram criar um clima manipulatório de
							normalidade e retomada do crescimento, a hora da verdade está chegando
							para todos os gestores políticos do grande capital, todos eles ainda
							presos aos valores de um mundo que começou a ruir em 2008 e, por isso
							mesmo, não conseguem compreender a profundidade da crise, nem tomar as
							medidas necessárias para enfrentá-la. Continuam a utilizar os
							mesmos métodos do passado para fenômenos inteiramente novos do
							mundo do presente.
 
 A recessão na Europa e, especialmente, na zona do euro, já uma
							realidade, muito embora ainda seja mais forte nas regiões da Europa do
							Sul, os elos débeis do sistema imperialista europeu. Mesmo com todas as
							tentativas de regulação, injeções
							trilionárias de recursos para salvar países e bancos, a economia
							européia está mergulhada na recessão, tanto porque os
							problemas que originaram a crise não foram resolvidos como porque as
							medidas de austeridade vão aprofundar ainda mais o processo recessivo.
							Os ajustes que estão sendo realizados em praticamente todos os
							países aumentam o desemprego e a queda da atividade econômica. O
							desemprego médio na região está acima de dois
							dígitos, sendo que em vários países ultrapassa 20% e entre
							os jovens este índice ainda é maior. Desemprego significa queda
							na renda 
							[NR]
							e queda na renda tem como resultado redução do consumo e,
							portanto, mais recessão.
 
 Nos Estados Unidos a situação é ainda mais grave, apesar 
							da manipulação da mídia e das estatísticas
							não revelarem em plenitude a crise da economia-líder. Na verdade,
							os Estados Unidos condensam todos os problemas da crise capitalista: uma
							dívida pública que já ultrapassa 100% do PIB, com impactos
							potenciais muito mais explosivos que a dívida européia, pois a
							carga tributária norte-americana corresponde a apenas 19% do PIB,
							enquanto na Europa ultrapassa uma média de 30%.
 
 A crise fiscal se torna cada vez mais problemática, com vários
							Estados e municípios em situação pré-falimentar,
							além do fato de que as políticas de facilidades quantitativas (
							
								qualitative easing 1 e 2
							
							) estão se tornando inviáveis politicamente, tanto do ponto de
							vista interno quanto internacionalmente. A crise do setor imobiliário
							continua se agravando, com o preço das residências caindo à
							medida em que a crise persiste. Existem ainda os cortes no orçamento que
							o governo está realizando para satisfazer as pressões dos
							republicanos.
 
 Essas medidas ainda não produziram resultados explosivos porque o Fed
							tem conseguido até agora realizar um conjunto de ações que
							vem adiando a emergência explicita da crise (juros baixíssimos,
							injeções de recursos no sistema financeiro, facilidades
							quantitativas, etc), mas esse arsenal de medidas tem limites e não pode
							se sustentar indefinidamente, uma vez que produzirão efeitos colaterais
							severos na economia. À medida em que a campanha eleitoral se desenvolva,
							vai ficar mais clara a gravidade dos problemas. A esses problemas podem ser
							adicionados a questão do dólar como moeda de reserva mundial e a
							dívida pública que já ultrapassou 100% do PIB.
 
 Outro ponto importante a ser abordado nesta crise é o surgimento das
							lutas sociais. Se na primeira onda da crise os trabalhadores praticamente se
							comportaram como  espectadores, a partir da segunda onda, com a crise das
							dívidas soberanas e as medidas de ajustes do grande capital, as lutas
							sociais emergiram em praticamente todas as regiões afetadas pela crise.
							Mesmo ainda embrionárias, com elevado grau de espontaneísmo, sem
							uma direção com perspectiva de classe na maioria dos
							países, essas lutas estão se intensificando, especialmente na
							Europa, onde o capital tem realizado os ajustes mais severos. Mesmo nos Estados
							Unidos, surgiram vários movimentos em resposta à crise, em
							vários Estados, especialmente o Ocuppy Wall Stret, que tem grande
							potencial de desenvolvimento com o aprofundamento da crise.
 
 Esses fenômenos ainda não estão plenamente percebidos em
							função de avassaladora manipulação midiática
							que o capital desenvolve cotidianamente para dar uma aparência de
							normalidade à conjuntura. Mas a crise é dramática e, em
							algum momento próximo, os elementos objetivos da crise irão se
							impor e então as pessoas tomarão conhecimento da extensão
							do problema. Estamos nos aproximando daqueles momento em que o
							impensável acontece como se fosse fato do cotidiano.
 
 Crises cíclicas e crises sistêmicas
 
 Há uma enorme confusão e desconhecimento sobre a questão
							das crises e, especialmente, sobre as crises sistêmicas. Por isso,
							é importante realizarmos um esforço no sentido não
							só de precisar melhor esta questão como também tentar
							estabelecer um estatuto teórico às crises sistêmicas,
							buscando avançar em relação a alguns fundamentos
							não observados pelos clássicos, de forma a precisar melhor a
							natureza do fenômeno, bem como suas implicações
							econômicas, políticas e sociais.
 
 As crises são fenômenos imanentes do sistema capitalista, oriundas
							da contradição central entre o caráter social da
							produção e a apropriação privada de seus resultados
							e ocorrem com periodicidade regular desde os primórdios deste modo de
							produção. As crises não têm origem monocausal
							conforme muitos marxistas costumam analisar esses fenômenos. Resultam das
							contradições gerais do sistema: não tem origem no
							subconsumo, não é crise de desproporção entre os
							diversos setores de produção, não é crise em
							função da queda da taxa de lucro, da especulação
							financeira ou qualquer outro fator isoladamente. A crise é a
							fusão das contradições que se acumulam ao longo do ciclo,
							muito embora possam se expressar mais acentuadamente em uma ou outra
							variável específica.
 
 Desde Adam Smith  que se busca uma explicação para as crises
							cíclicas do capitalismo,  passando por Ricardo, Malthus, Rodsberto, 
							Sismondi, Marshall. Posteriormente, com o desenvolvimento do capitalismo,
							outros autores desenvolveram novas abordagens da crise, como os ciclos ou ondas
							longas, de  Parvus, Von Gerendem,  Kondratiev, Schumpeter, entre outros. Eles
							buscaram de alguma forma, com as ferramentas de sua época, identificar e
							compreender os fenômenos das crises. Estado estacionário em Smith,
							renda decrescente da terra em Ricardo, subconsumo das massas em Malthus,
							Sismondi e Rodsberto, os ciclos longos de Parvus, Von Gerendem, Krondratiev, as
							destruições criadoras em Schumpeter, todos eles tentaram explicar
							a natureza e o desenvolvimento das crises capitalistas.
 
 No entanto, foi Marx quem definiu de maneira mais precisa os fundamentos
							teóricos das crises capitalistas, ao deslocar a análise da
							órbita da circulação para a esfera da
							produção e defini-la como sínteses de todas as
							contradições do capitalismo.
 
 As crises sistêmicas
 
 Para efeito desta análise, procuraremos diferenciar as crises
							cíclicas das crises sistêmicas, bem como tentar estabelecer um
							estatuto teórico para as crises sistêmicas.  As crises
							cíclicas se transformaram em fenômenos recorrentes do modo de
							produção capitalista e para enfrentá-las o capital
							já adquiriu vasta experiência e desenvolveu ferramentas para
							atenuar seus efeitos mais perversos e ressurgir desse processo num patamar
							superior.  Já as crises sistêmicas são bem mais complexas,
							com duração mais longa e efeitos devastadores mais acentuados.
							Seus resultados provocam mudanças profundas na vida econômica, na
							estrutura das relações de produção, na forma de
							dominação do capital, além de modificações
							em toda a vida social. Portanto, necessitam de um estatuto teórico
							à altura dos fenômenos que provoca.
 
 Marx não viveu o suficiente para testemunhar as crises sistêmicas
							e delas apreender os resultados teóricos que expressou em
							relação às crises em geral. Escreveu sobre sua
							época, a época do capitalismo concorrencial e das crises
							cíclicas. Não tinha obrigação de adivinhar o
							futuro, nem teorizar sobre aquilo que ainda não existia, não
							possuía vida material. Como ele próprio enfatiza: 
							
								"É por isso que a humanidade só apresenta os problemas que
								é capaz de resolver e, assim, numa observação atenta,
								descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quando as
								condições materiais para resolvê-lo já existiam ou
								estavam, pelo menos, em vias de aparecer".
							
							 
							[1]
 
 Mesmo escrevendo sobre as crises em geral, no 
							
								Manifesto Comunista,
							
							 Marx já revelava alguma pista sobre o desenrolar das crises no
							capitalismo, muito embora não tenha escrito especificamente sobre as
							crises sistêmicas e, principalmente, sobre as crises do período da
							internacionalização da produção e das
							finanças, fenômenos que se tornaram conhecidos popularmente como
							globalização:
 
 "A sociedade burguesa moderna, que criou gigantescos meios de
								produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já
								não pode controlar os poderes infernais que invocou. Há dezenas
								de anos a história da indústria e do comércio não
								é senão a história da revolta das forças produtivas
								modernas contra as modernas relações de produção
								... Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente,
								ameaçam cada vez mais a sociedade burguesa e seu domínio. Cada
								crise destrói regularmente não só uma grande massa de
								produtos fabricados, mas também grande parte das próprias
								forças produtivas já criadas ... O sistema burguês
								tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu meio ... A
								que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e
								à diminuição dos meios para evitá-las"
							
							[2]
 
 Em outras palavras, Marx já intuía que, à medida que o
							capitalismo fosse se desenvolvendo, o sistema chegaria ao ponto em que as
							crises seriam mais prolongadas, mais devastadoras e, especialmente, em
							função da própria ampliação do
							domínio do capital no mundo, seus gestores passariam a ter uma margem
							menor de manobra para  evitá-las ou administrá-las, dada a
							amplitude do processo de acumulação e à
							junção de contradições cada vez mais novas e
							complexas neste modo de produção. Possivelmente, se tivesse
							vivido após 1873, época do início da primeira grande crise
							sistêmica do capitalismo, teria identificado esse fenômeno e
							elaborado as conclusões teóricas necessárias.
 
 Friedrich Engels, seu parceiro teórico e de lutas, que viveu bastante
							tempo após a morte, e organizou sua obra seminal, os volumes II e III do 
							
								Capital,
							
							já vislumbrava que algo de novo estava acontecendo em
							relação às crise capitalistas, conforme escreveu, em 1886,
							no prefácio da edição inglesa do Capital. 
							
								"Enquanto a força produtiva cresce em progressão
								geométrica, a expansão dos mercados cresce, na melhor das
								hipóteses, em progressão aritmética. O ciclo decenal de
								estagnação, prosperidade, superprodução e crise,
								que se repetiu sempre, de 1827 a 1867, parece ter se esgotado. Mas só
								para deixarmos aterrissar  no lodaçal desesperador de uma
								depressão crônica e duradoura".
							
							 
							[3]
 
 Alguns anos mais tarde, em 1890, em nota de rodapé do tomo II do
							Capital, Engels volta novamente a se referir às novas
							manifestações das crises, identificando alguns elementos
							constitutivos de uma crise diferente, muito embora ainda sem definí-la
							plenamente, até mesmo porque a crise sistêmica de 1873-1896
							não estava totalmente completa nesse período. Apenas indaga se o
							sistema não estaria diante de um fenômeno mundial de
							"veemência inaudita":
 
 "A forma aguda do processo periódico, com seu ciclo até
								então de 10 anos, parece ter cedido lugar a uma alternância mais
								crônica, mais prolongada, que se distribuiu entre diversos países
								em tempos diferentes, de melhoria relativamente curta e débil dos
								negócios e pressão relativamente longa e indecisa. Mas talvez
								trata-se apenas de uma expansão de duração do ciclo. Na
								infância do comércio mundial, de 1815 a 1847, pode-se comprovar
								ciclo de até cinco anos; de 1847 a 1867 os ciclos são
								decididamente de 10 anos; será que nos encontramos no período
								preparatório de uma nova crise mundial de veemência
								inaudita"? 
							
							[4]
 
 A partir dessas pistas, continuaremos nossa investigação seguindo
							as pegadas dos fundadores do marxismo, que definiram as crises do capitalismo
							como colapso da totalidade, a totalidade do capitalismo de sua época, a
							época do capitalismo concorrencial. Cremos que, a partir de um posto de
							observação do século XXI, quando o capitalismo atingiu seu
							amadurecimento pleno, poderemos realizar uma primeira mediação em
							relação a esta questão teórica, sugerindo que as
							crises cíclicas representam 
							
								colapsos parciais
							
							 da 
							
								totalidade,
							
							enquanto as crises sistêmicas podem ser consideradas 
							
								rebeliões generalizadas da totalidade
							
							 contra a cisão da unidade entre valor de uso e valor, mercadoria e
							dinheiro, produção e consumo, forças produtivas e
							relações de produção plenamente desenvolvidas em
							nível mundial, provocadas pelas contradições do sistema
							capitalista e que se expressam explosivamente em toda a vida social, provocando
							mudanças quantitativas e qualitativas no modo de produção
							capitalista.
 
 O correto entendimento teórico destas duas formas de
							manifestação da crise do capital nos permite compreender melhor a
							dinâmica histórica do capitalismo. Primeiro, as crises
							cíclicas são fenômenos perturbadores do curso natural deste
							modo de produção e já fazem parte do cotidiano
							histórico. Dada suas manifestações rotineiras, os
							capitalistas adquiriram experiência suficiente para manejá-las,
							atenuar suas dimensões mais destrutivas e renascer das cinzas num
							patamar superior, muito embora carreguem todas as contradições do
							passado e acrescentem  novas contradições que se
							desenvolverão ao longo do próximo ciclo.  As políticas
							keynesianas utilizadas generalizadamente após a Segunda Guerra Mundial
							podem ser consideradas como o exemplo mais sofisticado das ferramentas
							utilizadas pelos capitalistas para administrar o ciclo econômico.
 
 No entanto, as crises sistêmicas têm uma dimensão superior,
							ocorrem em períodos mais longos, desestruturam toda a ordem anterior e
							constroem, sob seus escombros, uma nova ordem, isso porque significam a
							exaustão de um período histórico de
							acumulação do capital. As crises sistêmicas não
							só desorganizam de maneira radical o sistema econômico,
							político e social construído para responder às
							necessidades da ordem anterior, como atingem todas as
							instituições da velha ordem, em proporções tais que
							provocam mudanças no conjunto do sistema e abrem espaço para a
							contestação do próprio sistema, uma vez que nestas
							épocas de crises sistêmicas torna-se mais aberta a aliança
							entre o Estado  e as classes  dominantes, pois essas duas criaturas siamesas
							passam a agir abertamente no sentido de colocar todo o ônus da crise na
							conta dos trabalhadores, o que leva a intensas lutas sociais.
 
 As crises sistêmicas carregam consigo um conjunto de fenômenos
							novos que vão muito além do horizonte convencional com o qual as
							classes dominantes estão acostumadas a lidar, para os quais as
							ferramentas corriqueiras do processo anterior (as crises cíclicas)
							não surtem os mesmos efeitos. Por isso, são muito mais
							explosivas, colocam em perigo a ordem capitalista e despertam os trabalhadores
							para as batalhas de classe. Também são mais duradouras:
							não apenas por carregarem consigo em bases ampliadas as velhas e novas
							contradições, mas porque as classes dominantes, acostumadas aos
							valores da velha ordem em desagregação, teimam em utilizar os
							instrumentos convencionais, num ambiente em que estes já não
							produzem mais os resultados que produziam no período precedente.
 
 As crises sistêmicas do capitalismo apresentam características
							bastante diferentes das crises cíclicas comuns, em função
							não apenas de sua profundidade devastadora, mas também com
							relação à  forma como se desenvolvem no ambiente
							econômico e social. Geralmente, as pessoas com pouco conhecimento
							histórico têm dificuldades de compreender as diferenças
							entre as crises cíclicas e as crises sistêmicas, confundem os dois
							fenômenos ou então imaginam as crises sistêmicas como
							colapsos destrutivos lineares que, ao serem desencadeadas, seguem uma
							trajetória avassaladora de maneira contínua, sem compassos de
							espera ou espasmos-recuperação.
 
 A realidade das crises sistêmicas é bastante diferente: estas
							crises irrompem de maneira unilateral na conjuntura e realizam os primeiros
							estragos na economia e na sociedade, tomando a todos de surpresa. Mas os
							governos reagem com uma série de medidas que aliviam momentaneamente os
							efeitos mais perversos da crise. Num ambiente de tensões nos circuitos
							que se beneficiavam da bonança anterior à crise, esses setores
							procuram criar nos meios de comunicação uma atmosfera de
							normalidade e recuperação da economia, de forma a manter seus
							privilégios e retornar ao status precedente,
 
 No entanto, a crise irrompe novamente de maneira unilateral na conjuntura,
							muitas vezes com mais intensidade que no período anterior, ampliando a
							destruição da primeira onda. Pode acontecer novamente um compasso
							de espera para emergir uma nova onda da crise e assim por diante até
							desagregar a velha ordem e provocar mudanças quantitativas e
							qualitativas no interior do sistema ou a mudança do próprio
							sistema. Nesse processo há apenas uma constância: a
							contínua deterioração das condições
							econômicas, sociais e políticas a cada patamar em que se
							desenvolve a crise.
 
 As crises sistêmicas são também mais devastadoras porque
							reproduzem em bases ampliadas todas as contradições do
							capitalismo. Toda crise do capital traz um conteúdo novo à
							conjuntura, além de carregar em seu bojo as contradições
							do passado. No entanto, as crises sistêmicas são muito mais
							devastadoras porque são crises completas, rebeliões generalizadas
							da totalidade contra a velha ordem (Campos, 2001). Esta crise que explode em
							2008 é a primeira grande crise completa do sistema capitalista, portanto
							mais explosiva, uma vez que envolve todo o arcabouço econômico e
							social do sistema capitalista  a esfera da produção, da
							circulação, do crédito, das dívidas públicas
							e privadas, o sistema social, o meio ambiente e os valores neoliberais  (Costa,
							2009).
 
 Como constatam Roubini e Mihm: 
							
								"Infelizmente, as crises financeiras têm fluxos e refluxos; é
								raro que explodam de uma só vez e terminem. Na verdade, se parecem mais
								com furacões, que reúnem suas forças, amainam por algum
								tempo, para em seguida se tornar mais destrutivos. Isso reflete o fato de que
								as vulnerabilidades que se acumulam na formação de uma crise
								são generalizadas e sistêmicas".
							
							 
							[5]
 
 Assim foram as crises sistêmicas de 1873 e 1929. Em 1873, a crise
							começou pela Bolsa de Valores de Viena, seguiu com falências
							bancárias na Áustria e Alemanha, Estados Unidos e, posteriormente
							na Inglaterra. A crise se espalhou ainda pela área industrial, tendo
							como consequência grande desemprego entre os trabalhadores (Coggiola,
							2009). 
							[6]
							Como todas as crises sistêmicas, sua particularidade foi uma longa
							depressão, até 1896, ou seja, 23 anos de crise. No entanto, esta
							primeira grande crise sistêmica não foi linear como o senso comum
							costumar imaginar: ocorreram períodos de recuperação em
							vários pontos da curva descendente, conforme Dobb
							
								: "A grande depressão, iniciada em 1873, foi interrompida  por
								surtos de recuperação em 1880 e 1888 e continuada até
								meados da década de 90".
							
							 
							[7]
							A crise sistêmica iniciada em 1873 resultou macroeconomicamente na
							transição do capitalismo concorrencial para o capitalismo
							monopolista.
 
 A crise de 1929-1945, bem mais documentada, o que nos poupa de alongarmos em
							seus detalhes, produziu a segunda guerra mundial e a destruição
							das forças produtivas de praticamente toda a Europa. Nos Estados Unidos,
							epicentro da crise, o Produto Interno Bruto, entre 1929 e 1933, teve uma queda
							de mais de 25%, a Bolsa de Valores se desagregou, e o desemprego atingiu um
							quarto da população economicamente ativa. Da mesma forma que na
							crise sistêmica de 1873-1896 a crise nos EUA teve momentos de
							depressão e recuperação, especialmente com a
							política do New Deal e a produção para guerra, mesmo assim
							a produção de automóveis só alcançou os
							patamares do início da crise (1929) quatro anos após o fim da
							Segunda guerra Mundial, em 1949. 
							[8]
 
 Como pode ser observado na crise anterior, a crise de 1929-1945 produziu
							mudanças profundas na conjuntura econômica internacional, na
							organização do capitalismo e na correlação das
							forças sociais. Primeiro, a União soviética emerge da
							Segunda Guerra como uma poderosa potência econômica e militar,
							liderando um sistema socialista composto por um terço da humanidade.
							Segundo, os países capitalistas, sob pressão dos trabalhadores, 
							reorganizam as relações de produção, tendo como
							norte teórico o keynesianismo e a construção do Estado do
							Bem Estar Social.  No plano político, cria-se uma nova ordem
							econômica internacional, com novas instituições e com os
							países vencedores da guerra com poder de veto na
							Organização das Nações Unidas.
 
 Portanto, essa nova crise sistêmica de 2008, por incorporar todas as
							contradições das crises anteriores e por ser a primeira crise
							completa do sistema capitalista, com certeza resultará também em
							mudanças de fundo na economia e na sociedade.
 
 A crise sistêmica de 2008
 
 A crise sistêmica de 2008 marca uma diferença qualitativa em
							relação às duas crises sistêmicas anteriores
							(1873-96 / 1929-1945), porque surge após um período em que o
							capitalismo se transformou num sistema mundial completo, em
							função da internacionalização da
							produção e da internacionalização financeira,
							popularmente denominada de globalização. Anteriormente, o sistema
							só era realmente completo no que se refere a duas variáveis da
							órbita da circulação: o comércio mundial e a
							exportação de capitais. Com a globalização, o
							sistema mundializou objetivamente as esferas da produção e da
							circulação, unificando globalmente o ciclo do capital e fechando
							assim uma etapa histórica que se iniciara com a revolução
							inglesa de 1640 na Inglaterra (Costa, 2009).
 
 A internacionalização da produção
							
							 possibilitou modificações profundas nas relações
							de produção internacionais e mudou de maneira expressiva a forma
							de expropriação do valor por parte da burguesia dos países
							centrais, possibilitando a descentralização dos ambientes de
							apropriação da mais-valia. Pela primeira vez na história
							do capitalismo, a burguesia passou a extrair diretamente e generalizadamente o
							valor fora de suas fronteiras nacionais, 
							[9]
							transformando-se assim numa classe exploradora direta tanto nos países
							centrais quanto na periferia, o que confirma objetivamente o caráter
							internacional do proletariado.
 
 No passado, a burguesia se apropriava do valor dos países
							periféricos mediante  o comércio  internacional, em
							função da troca desigual (produtos manufaturados versus
							matérias-primas), o pagamento dos juros das dívidas, os
							dividendos ou remessas de lucros enviadas pelas filiais de suas empresas que
							atuavam na órbita da circulação. Agora, o capital vive sua
							maturidade plena, ao transformar o planeta numa esfera única de
							investimento, produção, realização e
							acumulação do capital.
 
 A internacionalização das finanças
							
							 e, especialmente, a desregulamentação financeira realizada
							mundialmente após os governos Reagan e Tatcher, aliadas às
							ferramentas das tecnologias da informação e a
							universalização dos computadores, possibilitaram ao capital atuar
							com a mais ampla liberdade possível em todas as partes do mundo e
							auto-acrescentar-se  ao longo das 24 horas do dia, rompendo assim as barreiras
							do espaço e do tempo, num processo como nunca antes se verificara no
							sistema capitalista. Para tanto, basta se utilizar da melhor maneira
							possível os fusos horários para atuar permanentemente em todas as
							praças financeiras do mundo, em todos os continentes.
 
 Essas modificações operadas na área das finanças
							marcaram também uma mudança na correlação de
							forças entre as frações do grande capital internacional: o
							setor mais parasitário passou a hegemonizar as decisões
							econômicas e políticas nos países centrais e subordinou
							todos os outros setores à lógica financeira, desenvolvendo de
							maneira acelerada um processo especulativo que hegemonizou não só
							a esfera das finanças, mas contaminou a produção e as
							decisões orçamentárias do Estado. No plano
							político, esse movimento foi expresso nas políticas neoliberais
							desenvolvidas desde o final da década de 70 nos países centrais
							e, posteriormente, em todos os países capitalistas ligados à
							economia líder.
 
 O frenesi especulativo se desenvolveu como um rastilho de pólvora,
							facilitado pela interconexão dos mercados financeiros e sua
							integração eletrônica, e  resultou num enorme descolamento
							entre a órbita financeira e a esfera da produção, criando
							assim possibilidades de rupturas de liquidez a uma velocidade impressionante,
							em função da extraordinária capacidade de
							propagação pelos meios de comunicação, como se
							verificou a partir da queda do Lehmann Brothers.
 
 Estas considerações precedentemente elencadas, levando em conta o
							grau de mudanças que se operou na base do sistema capitalismo,
							dão à atual crise sistêmica um conteúdo novo, fruto
							dos novos fenômenos que emergiram nesta fase do capitalismo. Conforme
							assinalávamos em ensaio publicado em fevereiro  de 2009, a crise
							sistêmica global era profunda, devastadora e de longa
							duração: 
							
								"Esta é a primeira grande crise realmente completa 
								[10]
								do sistema capitalista, por isso mais complexa e potencialmente mais explosiva,
								uma vez que envolve toda a vida social do sistema capitalista  a esfera
								da produção, da circulação, o crédito, as
								dívidas públicas e privadas, o sistema social, o meio ambiente,
								os valores neoliberais, a cultura individualista e, especialmente, o Estado
								como articulador do processo de acumulação".
							
							[11]
 
 Portanto, a crise sistêmica mundial está em curso, apesar da
							manipulação diária operada pelos meios de
							comunicação. Eles buscam quotidianamente confundir os
							trabalhadores, buscando dar uma aparência de normalidade e
							recuperação da economia mundial, mas a realidade tem sido mais
							dura que as miragens plantadas pela mídia. Em breve estaremos assistindo
							um aprofundamento da crise, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, e a
							ampliação das lutas sociais nas principais regiões
							afetadas pela crise, uma vez que as medidas tomadas até agora para
							enfrentar a crise estão objetivamente criando as condições
							para seu acirramento.
 
 A crise no coração do sistema
 
 Conforme alertávamos em 2002, a crise mundial do capitalismo só
							estaria madura quanto atingisse o coração do sistema: os Estados
							Unidos, a Europa e o Japão. 
							[12]
							Agora, com a crise sistêmica global, o mundo assiste a maior crise de
							toda a história do capitalismo e, ao mesmo tempo, inicia-se o processo
							de amadurecimento para as transformações de todas as
							instituições construídas em Bretton Woods. O velho sistema
							monetário-financeiro está  desaparecendo, porque já
							não cumpre mais as funções para as quais foi criado e nem
							corresponde mais às novas relações de
							produção oriundas da internacionalização da
							produção e das finanças. A ordem econômica
							internacional está à deriva: suas instituições,
							seus métodos de regulação e ação
							política dos governos centrais se mostram incapazes de resolver os
							problemas oriundos da crise.
 
 As várias frações de classe do grande capital,
							(norte-americano, europeu e japonês) tateiam no escuro, impotentes diante
							dos fenômenos novos para os quais não estão preparados.
							Não conseguem entender a profundidade da crise e continuam aplicando sem
							sucesso os mesmos métodos do passado. Essa impotência diante dos
							fatos objetivos da vida torna mais agressiva as elites parasitárias dos
							países centrais, que buscam a todo o custo sair da crise pelos
							métodos mais primitivos e predatórios, como a
							fomentação de guerras cada vez destrutivas contra
							nações que não obedecem aos ditames do capital, a
							imposições de ajustes econômicos predatórios contra
							os trabalhadores, buscando regredir seus direitos aos estatutos do
							século XIX, bem como a manipulação cada vez mais sem
							cerimônia dos meios de comunicação  para justificar suas
							ações.
 
 Mas a ofensiva do grande capital não pode esconder que o sistema
							capitalista está doente, passa pelo momento de maior dificuldade em toda
							a sua história e a crise sistêmica global tende a se agravar mais
							a cada dia que passa, porque desde que foi desencadeada nenhum dos problemas
							que a detonaram foi resolvido. Pelo contrário, a crise agora está
							mais explosiva porque reúne em torno de si todas as
							contradições do capitalismo oriundas do processo anterior e
							adiciona os novos fenômenos do capitalismo contemporâneo, o que a
							torna mais devastadora e cujo momento explosivo se aproxima com uma velocidade
							expressiva. Em breve, a crise completa do capital estará produzindo
							fenômenos tão desconcertantes que deixarão os observadores
							impressionados com sua dinâmica e efeitos econômicos,
							políticos, sociais e geopolíticos em todo o sistema capitalista.
 
 Nossa investigação buscará apreender os principais
							elementos constitutivos da crise sistêmica global nas duas principais
							regiões do capitalismo central, Estados Unidos e a União
							Européia e, a partir desses dados objetivos, avaliar a profundidade da
							crise, os principais fenômenos novos que brotarão dessa
							conjuntura, bem como as possibilidades de mudanças no interior do
							sistema, a partir da entrada em cena de um novo personagem  os
							trabalhadores, cuja resistência vem se manifestando em várias
							regiões, mas com o agravamento da crise  está se abrindo um novo
							patamar na luta de classes internacional.
 
 A crise fiscal nos Estados Unidos
 
 A crise fiscal dos Estados Unidos é muito grave e atinge todas as
							esferas dos governos federal, estadual e municipal. A sociedade norte-americana
							está iniciando um período de dificuldades semelhantes aos
							países da periferia capitalista. O déficit público em 2010
							atingiu 1,260  trilhão e nos últimos meses de 2011 atingiu cerca
							de 10% do PIB. Essa performance tende a se agravar em função da
							queda da atividade econômica, da redução no consumo das
							famílias, além do aumento do desemprego. Quer queira ou
							não o presidente Obama, os Estados Unidos iniciam, premidos pela
							lógica objetiva dos fatos, um período de austeridade que
							deverá agravar ainda mais a crise social no País, cuja
							expressão mais visível é o aumento do número de
							pobres, que hoje já alcança 60 milhões de pessoas.
 
 A crise nos Estados Unidos tem origem nas contradições do sistema
							capitalista, mas carrega consigo uma série de problemas
							específicos que se foram acumulando ao longo dos anos, tais como o
							deslocamento de plantas industriais para outras regiões e,
							especialmente, em função de medidas tomadas pelo governo Bush,
							como a  redução de impostos para os setores de maior renda 
							[NR]
							, os gastos trilionários para resgatar os bancos da crise, as guerras no
							Afeganistão e Iraque, bem como a chamada "guerra contra o
							terror", que ampliou de maneira acentuada o aparato de espionagem e
							exércitos irregulares pelo mundo afora.
 
 Vale ressaltar ainda que os Estados Unidos  possuem um problema estrutural em
							relação ao orçamento. Enquanto nos países da zona
							do Euro a arrecadação tributária corresponde em
							média a cerca de 30% do PIB, nos Estados Unidos o País arrecada
							apenas 19% do produto.  Essa é uma debilidade da economia
							norte-americana, porque o nível de arrecadação torna mais
							difícil uma solução do déficit no curto prazo,
							especialmente se levarmos em conta que a redução de impostos e
							aumento de gastos alteraram o panorama tributário norte-americano para
							níveis mais baixos desde 1950 (Eichengreen, 2011). A menos que haja uma
							política de ajuste predatório, o que é um problema com
							poucas perspectivas em função da reação da
							população, essa questão vai continuar por bastante tempo.
 
 Esses problemas fizeram com que o déficit se fosse tornando cada vez
							mais uma bomba de efeito retardado, à medida em que a economia
							norte-americana perdia competitividade industrial, o setor financeiro passava a
							hegemonizar as decisões de política econômica, as
							administrações republicanas reduziam o imposto para os ricos e
							aumentavam as despesas militares. A crise veio ampliar o déficit, uma
							vez  o governo teve que resgatar os bancos da falência e a
							recessão oriunda da crise duplicou o nível de desemprego e
							reduziu o consumo, completando assim um quadro de anemia fiscal no País.
							Vejamos mais detalhadamente os principais pontos que tornam o déficit
							fiscal uma questão explosiva, principalmente em função da
							crise:
 
 1) O deslocamento das plantas fabris para outras regiões operou-se de
							maneira lenta mas permanente em função da queda na taxa de lucro
							nos Estados Unidos. Parcelas expressivas das grandes corporações
							deslocaram-se para vários continentes, especialmente para a  Ásia
							em busca de mão-de-obra e matérias baratas e
							condições fiscais vantajosas. Os estrategistas do capital
							imaginavam que o poder hegemônico norte-americano criaria uma economia de
							serviços, com alta densidade tecnológica, a partir da qual os
							Estados Unidos capturariam parcela expressiva da mais-valia produzida
							mundialmente mediante a apropriação das rendas 
							[NR]
							remetidas do exterior (royalties, patentes, dividendos, juros) e o sistema
							financeiro se encarregaria de reciclar os capitais que migrariam para Estados
							Unidos em função de seus mercados sofisticados e
							hegemônicos. Esse movimento reduziu a dinâmica do setor da economia
							que produzia o valor e abriu espaço para o frenesi especulativo que veio
							a se estilhaçar em 2008 e contaminar todos os setores econômicos
							do País.
 
 A redução da competitividade industrial inverteu um curso
							histórico: os Estados Unidos passaram de maior exportador mundial para
							maior importador, acumulando ao longo dos últimos 30 anos crescentes
							déficit na balança comercial. Na década de 70, os EUA
							apresentaram apenas pequenos déficits na balança comercial, mas a
							partir de meados da década de 80 esses déficits foram crescendo
							de maneira extraordinária até ultrapassar, em 1984, a marca de
							US$ 100 mil milhões. A partir daí,  os saldos negativos na
							balança comercial foram se avolumando até atingir US$ 328,8 mil
							milhões em 1999. A partir de 2003, os déficits passam a superar
							os US$ 500 mil milhões, até ultrapassar os US$ 800 mil
							milhões em 2006, 2007, 2008, caindo para US$ 634,9 mil milhões em
							2010  (Tabela 1).
 
 Tabela 1  Balança Comercial dos EUA,1983-2010
 
 
								
								Fonte: Department of Commerce (Bureau of the Census and Bureau of Economic
								Analysis), Table B -106
									| Ano | Exportação | Importação | Saldo comercial |  
									| 1983 | 205,6 | 258,0 | -52,4 |  
									| 1984 | 224,0 | 330,7 | -106,7 |  
									| 1985 | 218,8 | 336,5 | -117,7 |  
									| 1986 | 227,2 | 365,4 | -138,2 |  
									| 1987 | 254,1 | 406,2 | -152,1 |  
									| 1988 | 322,4 | 441,0 | -118,6 |  
									| 1989 | 363,8 | 473,2 | -109,4 |  
									| 1990 | 393,6 | 495,3 | -101,7 |  
									| 1991 | 421,7 | 488,5 | -66,8 |  
									| 1992 | 448,2 | 532,7 | -84,5 |  
									| 1993 | 465,1 | 580,7 | -115,6 |  
									| 1994 | 512,6 | 663,3 | -150,7 |  
									| 1995 | 584,7 | 743,5 | -158,8 |  
									| 1996 | 625,1 | 795,3 | -170,2 |  
									| 1997 | 689,2 | 869,7 | -180,5 |  
									| 1998 | 682,1 | 911,9 | -229,8 |  
									| 1999 | 695,8 | 1.024,6 | -328,8 |  
									| 2000 | 781,9 | 1.218,0 | -436,1 |  
									| 2001 | 729,1 | 1.141,0 | -411,9 |  
									| 2002 | 693,1 | 1.161,4 | -468,3 |  
									| 2003 | 724,8 | 1.257,1 | -532,3 |  
									| 2004 | 814,9 | 1.469,7 | -654,8 |  
									| 2005 | 901,1 | 1.673,5 | -772,4 |  
									| 2006 | 1.026,0 | 1.853,9 | -827,9 |  
									| 2007 | 1.148,2 | 1.957,0 | -808,8 |  
									| 2008 | 1.287,4 | 2.103,6 | -816,2 |  
									| 2009 | 1.056,0 | 1.559,6 | -503,6 |  
									| 2010 | 1.278,3 | 1.913,2 | -634,9 |  
							2) A conjuntura econômica viria a se deteriorar de maneira
							dramática após a crise sistêmica global. A
							redução dos impostos realizada entre 2001 e 2003 e os gastos com
							as guerras do Afeganistão e Iraque, após a queda das torres
							gêmeas, aliados à ampliação dos gastos militares
							secretos em função da política anti-terrorista do governo
							Bush, continuada por Obama, reduziram drasticamente o perfil tributário
							dos EUA. Passou-se de um superávit fiscal em 2000 para um déficit
							de 4% do PIB em 2007-2008 (Eichengreen, 2011). Essa conjuntura seria agravada
							de maneira dramática em função da crise sistêmica
							global, que levou o Tesouro a injetar cerca de 8,5 trilhões de
							dólares para salvar os bancos, o que agravou de maneira dramática
							a crise fiscal norte-americana.
							
 3)  Mas o problema menos conhecido e menos divulgado, mas tão grave como
							os precedentemente elencados, é a crise fiscal dos Estados e
							Municípios. Atualmente, 45 Estados estão com suas contas no
							vermelho. A crise fiscal regional é resultado tanto da recessão
							que o país enfrenta desde 2008, que reduziu as receitas, quanto das
							perdas oriundas das aplicações financeiras realizadas por Estados
							e Municípios na especulação financeira. Uma
							particularidade da legislação fiscal norte-americana é o
							fato de que os Estados e Municípios são proibidos de ter
							déficits, muito embora sempre encontrem uma maneira criativa de burlar a
							legislação.
 
 Estados grandes e ricos como a Califórnia se encontram em calamidade
							fiscal, enquanto outros mais pobres também possuem déficits
							elevadíssimos. Por exemplo, 13 Estados estão com déficit
							acima de 20% em relação ao ano fiscal de 2011, seis Estados com
							déficit acima de 30% e 15 com déficit acima de 10%, o que
							configura uma situação dramática do ponto de vista fiscal
							(Tabela2). Como a crise eleva as despesas dos Estados e a recessão reduz
							as receitas, temos assim um dilema difícil de ser resolvido e que tende
							a se agravar à medida em que a recessão se ampliar pelo conjunto
							da economia.
 
 Tabela 2  Déficit dos Estados em relação ao ano
								fiscal de 2011
 
 
								
								Fonte: Center Of Budget and Policy Priorits, Tabel 4, March, 2012, by Elizabeth
								McNichol, Phil Oliff and Nicholas  Johnson
									| Alabama | 12,3 | Loisiania | 14,3 | Oklahoma | 13,7 |  
									| Arizona | 39,0 | Maine | 34,7 | Oregon | 34,2 |  
									| Califórnia | 20,7 | Maryland | 15,3 | Pennsylvania | 16,4 |  
									| Colorado | 25,1 | Massachusetts | 8,6 | Rhode Island | 13,4 |  
									| Connecticut | 28,8 | Michigan | 9,3 | South Carolina | 26,1 |  
									| Delaware | 11,4 | Minnesota | 25,0 | South Dakota | 8,8 |  
									| District of Columbia | 4,5 | Mississipi | 15,9 | Tennessee | 9,4 |  
									| Florida | 19,5 | Missori | 9,4 | Texas | 20,9 |  
									| Georgia | 25,4 | Nebraska | 9,7 | Utah | 14,7 |  
									| Hawai | 16,2 | Nevada | 54,5 | Vermont | 31,3 |  
									| Idaho | 3,5 | New Hampshire | 27,2 | Virginia | 8,5 |  
									| Illinois | 40,2 | New Jersey | 38,2 | Washington | 29,6 |  
									| Indiana | 9,4 | New Mexico | 9,1 | West Virginia | 3,6 |  
									| Iowa | 20,3 | New York | 15,9 | Wiscosin | 24.9 |  
									| Kansas | 10,1 | North Carolina | 30,6 | Wyoming | 10,3 |  
									| Kentucky | 9,1 | Ohio | 11,0 | States total | 19,9 |  
							Esta crise dentro da crise vem afetando diretamente a população,
							uma vez que os Estados endividados diminuem os salários dos
							funcionários e reduzem serviços como linhas de metrô,
							coleta de lixo, limpeza, assistência médica aos pobres, velhos e
							deficientes. Há ainda os cortes nas verbas para escolas e faculdades,
							demissão de professores, policiais, pessoal médico e
							funcionários públicos em geral. Some-se a isso o fato de que a
							infraestrutura de vários Estados e Municípios está em
							frangalhos, com equipamentos sociais precários, pontes desabando,
							escolas e hospitais sucateados.  
							
 Além dos problemas relacionados, um outro fator também veio
							adicionar mais um elemento explosivo: a crise dos títulos municipais (
							
								Munis Bonds
							
							) e a incapacidade dos governos locais de pagá-los diante da conjuntura
							de penúria fiscal. Trata-se de um mercado de US$ 3 trilhões,
							geralmente estável em tempos de bonança. No entanto, como em
							todas as crises, algumas questões que estavam adormecidas afloram na
							superfície com uma veemência extraordinária.
 
 Pode-se dizer que há um sinal amarelo no mercado de 
							
								Munis Bonds,
							
							não apenas porque há pelo US$ 10 mil milhões em
							títulos inadimplentes e outros US$$ 22 mil milhões em estado de 
							
								stress,
							
							como costumam se referir eufemisticamente os comentaristas econômicos
							norte-americanos. Mas o indicador mais objetivo da crise desse mercado foi o
							fato de a  Standard & Poor´s ter rebaixado a nota 
							
								tríplice A (AAA) 
							
							de 4% dos títulos desse mercado. Portanto, à medida em que a
							crise for avançando, o mercado de 
							
								Munis Bonds
							
							 também seguirá a rota de desagregação,
							amplificando para as populações regionais a crise nacional.
 
 Outros dos indicadores da crise fiscal podem ser localizados nos gastos
							militares dos Estados Unidos. Mesmo com as promessas de retirada das tropas do
							Iraque e Afeganistão, os gastos norte-americanos continuam
							desproporcionais em relação ao resto do mundo. Para se ter uma
							idéia, o orçamento militar de 2011 está calculado em US$
							700 mil milhões (4,8% do PIB), um quantum maior que  os 17 maiores
							orçamentos militares do planeta e seis vezes maior que o da China, a
							nação com o segundo maior gasto do mundo. Nesta questão
							tanto faz ser republicano ou democrata, todos estão de acordo em manter
							a aperfeiçoar a máquina de guerra norte-americana e continuar
							alimentando o complexo industrial militar. Segundo informações
							dos meios de comunicação, essa máquina de guerra é
							composta por 560 bases militares fora dos Estados Unidos e um aparato de
							espionagem que tem mais pessoas com acesso a informações secretas
							que todas as pessoas que vivem na capital, Washington.
 
 Quem imaginar que o final da guerra fria significou a redução
							desta máquina de guerra está completamente enganado. Hoje, os
							Estados Unidos não têm concorrentes no espaço aéreo
							nem nos mares: porta-aviões gigantes, submarinos atômicos,
							satélites por toda a parte, aviões robôs, bombas
							inteligentes guiadas a laser, caças-bombardeios, aviões
							invisíveis, tanques e helicópteros da mais alta
							sofisticação compõem a máquina militar mais
							agressiva que a humanidade já conheceu. Muito embora esse aparato seja
							assustador, ironicamente está perdendo a guerra para beduínos nas
							areias do Iraque e guerrilheiros das montanhas no Afeganistão, o que
							demonstra que a hegemonia não envolve apenas questões militares.
 
 A crise da dívida dos Estados Unidos
 
 A dívida dos Estados Unidos condensa atualmente toda a dinâmica da
							economia norte-americana, seus problemas, contradições e
							perspectivas, porque sintetiza historicamente as opções
							econômicas estratégicas, a euforia e as debilidades da economia
							líder do sistema capitalista. A crise da dívida, portanto,
							é o elemento catalisador de todos os problemas da sociedade
							norte-americana. Os dilemas políticos ocorridos recentemente no
							Congresso, referentes ao aumento do teto da dívida, são apenas a
							ponta do iceberg da crise política, econômica e social de um
							sistema imperial em decadência, cujos contornos ficarão mais
							claros à medida em que a crise for aprofundando as
							contradições  de uma economia ferida.
 
 Ao longo dos últimos 30 anos a dívida pública funcionou
							como uma espécie de colchão social, econômico e financeiro
							do sistema de poder imperial norte-americano. Trata-se de um débito que
							estruturou macroeconomicamente toda a ordem econômica internacional e
							possibilitou aos Estados Unidos viverem por várias décadas com
							déficits permanentes, um padrão de vida acima da média
							mundial, enquanto os países superavitários transformavam seus
							saldos comerciais positivos em títulos da dívida pública
							norte-americana.
 
 Em função do poderio de sua economia, da liderança que
							exerciam no mundo capitalista, da sofisticação de seu mercado
							financeiro e da liquidez de seus papéis, os títulos da
							dívida dos EUA eram considerados o porto mais seguro para as
							aplicações das reservas internacionais de grande maioria dos
							países industrializados. Nações como a China, o
							Japão e o Brasil, principais detentores desses títulos, 
							acumularam por anos a fio superávits comerciais e os trocaram por 
							
								T-Bonds, 
							
							títulos do Tesouro norte-americano, mesmo a uma taxa de juros
							extraordinariamente baixa, como se esses papéis representassem a
							cristalização do valor produzido mundialmente.
 
 Para os Estados Unidos, tratava-se de um bom negócio. Sem trocadilho: um
							negócio da China! Como num transe de mágica, os sucessivos
							governos dos Estados Unidos conseguiam trocar papéis pintados
							(dólares) ou promissórias (títulos da dívida),
							ambos sem lastro em ativos reais, por bens tangíveis dos países
							produtores de manufaturas do resto do mundo. Demorou muito para que os governos
							começassem a compreender que a quantidade de dólares impressos
							pelos Estados Unidos e espalhados pelo mundo, bem como os títulos da
							dívida pelos quais trocavam seus superávits comerciais,
							não possuíam relação direta com os ativos reais dos
							Estados Unidos. Em outras palavras, os agentes econômicos que
							participaram dessa pantomina estão atualmente com uma batata quente na
							mão, pois a qualquer momento podem ser surpreendidos pela
							terrível notícia que seus papéis não valem quase
							nada, foram desvalorizados pela lei do valor.
 
 Essa severa realidade está se aproximando com uma velocidade acentuada,
							em função desta terceira onda da crise global. Conforme
							advertíamos no início de 2009, a crise iria produzir um conjunto
							de fenômenos novos:
							
								"Quanto mais a crise se acirrar, mais haverá a possibilidade de
								questionamento da hegemonia norte-americana e um acirramento da disputa
								interimperialista, pois a crise pode gerar um clima de salve-se quem puder ...
								Existe ainda a possibilidade concreta de uma maxidesvalorização
								do dólar ou de um calote generalizado da dívida externa
								norte-americana".
							
							 Naquela época pode ter parecido um exagero essas
							afirmações, mas agora já é parte de uma dolorosa
							realidade dolorosa para o mundo.
 
 A dívida pública dos Estados Unidos vem crescendo de maneira
							impressionante desde o início deste século: correspondia a cerca
							de U$ 5 trilhões em 2000 e agora em outubro de 2011 se situa em torno de
							US$ 15 trilhões (aumentou três vezes na década), ou seja,
							cerca de 100% do PIB. Uma dívida dessa magnitude não seria grande
							problema se as circunstâncias não fossem as mais sombrias para a
							economia norte-americana, afinal países como a Itália convivem
							com déficits de mais de 100% do PIB há vários anos. Mas
							num período de crise sistêmica todos os valores do período
							anterior passam a ser questionados. O debilitamento da economia, aliada
							à disputa recente entre os republicanos e democratas em
							relação ao teto da dívida, acendeu o sinal amarelo para os
							detentores dos 
							
								T-Bonds,
							
							 criou um clima de desconfiança entre principais agentes
							econômicos, especialmente a China, e dificilmente essa conjuntura
							será revertida,  em função do agravamento da crise.
 
 Em termos de perspectiva, os 
							
								T-Bonds
							
							 já não podem ser considerados a base das finanças
							mundiais, uma vez que estão mais claras uma série de fissuras na
							estrutura de dominação econômica e financeira dos Estados
							Unidos. Pela primeira vez em 70 anos, uma agência de
							classificação de risco rebaixou a nota dos títulos
							norte-americanos. Um dos principais fundos privados de investimentos dos
							Estados Unidos, o PINCO,  já colocou os 
							
								T-Bonds
							
							 fora do seu portfólio. A China, principal credor, discretamente
							está se desembaraçando desses títulos. E não faz em
							maior velocidade porque está presa ao destino de seu maior devedor. Caso
							se desfaça rapidamente a crise se aprofundará, haverá uma
							grande desvalorização, o que significa também
							prejuízos na mesma proporção para os chineses. Os bancos
							centrais dos principais países industrializados estão acelerando
							a compra de ouro, o que tem feito o preço do metal subir
							vertiginosamente, ao mesmo tempo em reflete a desconfiança na capacidade
							dos EUA de honrar a dívida.
 
 Numa conjuntura dessa ordem a tendência principal é uma
							contínua deterioração da situação
							econômica financeira do País e, consequentemente, uma perda de
							confiança dos agentes econômicos na capacidade dos Estados Unidos
							de honrar a dívida. Quanto mais a conjuntura interna se deteriora
							(recessão, desemprego, crise imobiliária, austeridade fiscal,
							crise nas administrações locais, crise do dólar, crise
							social) basta uma fagulha, um elemento fortuito, para desencadear a nova onda
							da crise de grandes proporções que já está madura
							no interior do sistema. Uma crise no coração do sistema se
							espalhará pelo conjunto do planeta como um rastilho de pólvora,
							colocando a economia mundial numa situação mais explosiva que a
							de 2008.
 
 A crise do dólar como moeda mundial
 
 A dívida pública dos Estados Unidos e o dólar são
							como irmãos siameses. Portanto, o destino de um está ligado
							à performance do outro e vice-versa. Por isso, a crise da dívida
							contamina o prestígio da moeda norte-americana, abala sua credibilidade,
							consolida um clima de desconfiança e abre espaço para que os
							países passem a contestar com mais rigor a hegemonia do dólar.
							Por isso, várias nações já propõem
							abertamente a substituição do dólar como moeda mundial e
							instrumento de referência das transações internacionais.
 
 O prestigio de uma moeda  especialmente uma moeda de reserva
							internacional  está umbilicalmente ligado à 
							
								performance
							
							 da economia que a emite. Desde os acordos de Bretton Woods o dólar tem
							sido a moeda de referência internacional. Mesmo que na década de
							60 alguns países europeus, especialmente a França, tenham
							questionado o privilégio norte-americano, mesmo com a
							desvinculação do dólar em relação ao ouro
							anunciada por Nixon em 1971, a  moeda norte-americana continuou sendo um porto
							seguro para as reservas internacionais dos Bancos Centrais e para as
							transações do comércio internacional.
 
 No entanto, com a decadência da economia dos Estados Unidos, a
							emergência da China como potência mundial e o aparecimento do euro
							como moeda de grande parte dos países da Europa e, especialmente, com a
							crise sistêmica mundial e o aumento exponencial do endividamento
							norte-americano, o panorama mudou radicalmente. O que era impensável em
							tempos de calmaria  a crise da dívida e a crise do dólar
							 hoje é uma realidade para grande parte dos agentes
							econômicos. A maior parte dos Bancos Centrais bem que gostariam de se
							desfazer do dólar, mas um movimento brusco dessa ordem levaria a
							economia mundial ao caos e os países detentores de dólares a
							registrar enormes prejuízos.
 
 O governo norte-americano injetou, desde o início da crise, cerca de US$
							8,5 trilhões para salvar os bancos e empresas e lançou dois 
							
								Quantitative Easing
							
							 (QE1 e QE2) e agora está com poucas condições de
							lançar um 
							
								Quantitative Easing 3,
							
							porque as medidas tomadas anteriormente reduziram o estoque de
							ações do Federal Reserve, até mesmo estas
							trilionárias injeções de capitais não apresentaram
							resultados desejados, uma vez que a economia continua em processo de
							deterioração. Essa quantidade de dinheiro em
							circulação é uma bomba de efeito retardado para a economia
							dos Estados Unidos, pois em algum momento isso se refletirá em aumento
							da inflação e, conseqüentemente da taxa de juros, o que
							significa um tiro de misericórdia para qualquer esperança de
							recuperação econômica.
 
 Além disso, as ações monetárias unilaterais geram
							sérios atritos com os aliados, porque inauguram uma espécie de
							guerra cambial sem nenhuma regulação. Com a
							inundação de dólares sem lastro no mundo, haverá
							uma sobrevalorização das moedas nacionais (e uma
							desvalorização do dólar) e um impacto negativo nas
							balanças comerciais, pois quanto mais valorizada a moeda nacional menos
							o País terá condições de exportar. Nesse contexto,
							cada País procurará tomar as medidas necessárias para
							proteger o seu setor exportador, o que em última instância
							tenderá a desencadear um protecionismo generalizado, um clima de
							salve-se quem puder.
 
 Como os Bancos Centrais não podem se desfazer bruscamente do
							dólar, seguem uma estratégia discreta de diversificar seu
							portfólio, comprando ouro e realizando transações
							comerciais bilaterais em moedas locais (yuan na Ásia, Euro na Europa,
							Real com alguns países da América Latina) ou realizando fortes
							investimentos na aquisição de ativos reais pelo mundo, como
							compra de terras na África e América Latina, e empresas
							lucrativas em vários países, de forma a se desfazerem dos
							dólares em carteira. Mas esses movimentos não resolvem o problema
							central:  há mais dólares no mundo que os ativos reais
							norte-americanos possam representar e esse fato em algum momento será um
							fator para a contestação final do dólar como moeda de
							reserva, como já vem sendo feito pela China, especialmente com o
							agravamento da crise, afinal uma economia moribunda não pode ter uma
							moeda de reserva mundial.
 
 No entanto, a crise não significa que uma outra moeda venha substituir
							imediatamente o dólar, pois este ainda possui um peso grande na economia
							mundial e o Euro ou o Yuan ainda não estão em
							condições de substituí-lo. Para se ter uma idéia, o
							dólar representava 61% das divisas internacionais, em 2010. Continua a
							moeda dominante nos mercados cambiais, com 85% das operações;
							Cerca de 45% dos títulos das dívidas dos países são
							expressos em dólar (Eichengreem, 2011). Portanto, numa
							situação de crise, uma solução temporária
							poderá ser a criação de uma cesta de moeda compostas por
							Euro, Yuan, Dólar, Real, Rublo e DES (Depósitos Especiais de
							Saque) do FMI. Mas essa solução não impediria a
							desarticulação do sistema monetário financeiro montado a
							partir de 1945.
 
 A crise na União Européia
 
 A União Européia é parte integrante do sistema
							imperialista mundial, especialmente a Alemanha, França, Inglaterra e
							Itália, e o velho continente está também envolvido
							profundamente na crise sistêmica global e sofrerá
							conseqüências semelhantes às que estão atingindo a
							economia líder, tendo em vista as interconexões entre o grande
							capital e as operações econômicas cruzadas entre as
							várias frações da burguesia dos países centrais.
							Acrescente-se a isso a identidade destas classes dominantes com o sistema
							político e econômico neoliberal,  implantado a partir do final da
							década de 70, com a eleição de Margareth Tatcher, na
							Inglaterra, e Ronald  Reagan, nos Estados Unidos, além das
							próprias contradições do capitalismo europeu.
 
 A formação da zona do euro, sob a orientação do
							Tratado de Maastricht, consolidou uma Europa do capital, no qual as
							frações mais reacionárias da burguesia impuseram aos
							países participantes um conjunto de leis e regras que buscam garantir
							seus interesses econômicos e políticos, às custas dos
							trabalhadores e dos povos europeus. Estruturou-se um conjunto de
							instituições regidas pelos interesses do grande capital, sob a
							ótica neoliberal, mesmo com este já moribundo, uma hierarquia
							draconiana entre as nações e um sistema esquizofrênico onde
							existe uma moeda única sem um Estado para respaldá-la, nem um
							emprestador de última instância; com um teto de déficit
							público formal, irrealista, especialmente em função da
							crise, e uma assimetria fiscal que torna a gestão macroeconômica
							da política monetária uma lenda.
 
 Apesar de ser parte do sistema imperialista mundial, a União
							Européia possui um conjunto de singularidades que devem ser levadas em
							conta na análise desta crise. A primeira é a própria
							constituição do bloco econômico, um processo que vem se
							consolidando há várias décadas e que criou certa
							identidade cultural entre os povos. A segunda é a criação
							de uma moeda única na zona do euro. Mesmo levando em conta a
							heterogeneidade das economias, o desenvolvimento desigual e as questões
							fiscais, o euro rapidamente se constituiu num importante instrumento de reserva
							dos bancos centrais, representando hoje 21% de todas as reservas em poder dos
							estados nacionais. Além disso, o próprio desenvolvimento desigual
							do capitalismo e os interesses dos diversos blocos das burguesias dos
							países centrais, criam necessariamente disputas entre as
							frações do grande capital da União Européia e as
							frações dominantes do capital da economia líder e dos
							outros países imperialistas, o que tem se refletido em decisões
							de política internacional e na própria gestão da crise
							européia.
 
 No entanto, o processo que atinge a Europa e que se expressa atualmente na
							crise das dívidas soberanas tem origem tanto nas
							contradições do capitalismo europeu e seu modelo neoliberal
							atrelado à economia líder, quanto da opção dos seus
							governos em salvar os bancos com recursos públicos, cujo resultado levou
							ao acirramento da crise, com a ampliação extraordinária
							das dívidas soberanas. Se observarmos a evolução das
							dívidas dos países europeus poderemos ver claramente o impacto
							fiscal das operações de salvamento dos bancos europeus:
 
 A dívida total dos países da área do euro correspondia a
							79,3% do PIB em 2008 e  cresceu para 102,4% em 2011. Se observarmos
							isoladamente os diversos países da Europa, numa hierarquia inversa em
							função da crise veremos mais precisamente o impacto das
							operações de salvamento dos bancos. A dívida grega, que em
							2008, era de 116,1% do PIB aumentou para 157,1% em junho de 2011. A
							dívida portuguesa aumentou, no mesmo período, de 80,6% do PIB
							para 110,8%; a da Espanha de 47,4% para 74,8%; a da Itália, cresceu de
							de 115,2 para 129,0%; a da Irlanda de 49,6 para 120,4%; a da Inglaterra de 57%
							para 88,5%;  a da França de 77,8 para 97,3%; e a da Alemanha de 69,3
							para 87,3%. O Japão, o mais endividado, passou de uma dívida de
							174,1 em 2008 para 212,7% em junho de 2011. Em todos os países, o que se
							nota é um salto extraordinário no endividamento após a
							crise (Tabela 3).
 
 Tabela 3  Passivo financeiro dos países centrais em
								relação ao PIB
								(junho de 2011)
 
 
								
								Fonte: OECD  Economic Outlook. No. 89, 2011
									| Países | 2000 | 2005 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 |  
									| Bélgica | 113,7 | 95,9 | 93,3 | 100,5 | 100,7 | 100,4 |  
									| Alemanha | 60,4 | 71,2 | 69,3 | 76,4 | 87,0 | 87,3 |  
									| Grécia | 115,3 | 121,2 | 116,1 | 131,6 | 147,3 | 157,1 |  
									| Irlanda | 39,4 | 32,6 | 49,6 | 71,6 | 102,4 | 120,4 |  
									| Itália | 121,6 | 120,0 | 115,2 | 127,8 | 126,8 | 129,0 |  
									| Japão | 135,4 | 175,3 | 174,1 | 194,1 | 197,7 | 212,7 |  
									| Portugal | 60,2 | 72,8 | 80,6 | 93,1 | 103,1 | 110,8 |  
									| Espanha | 66,5 | 50,4 | 47,4 | 62,3 | 66,1 | 74,8 |  
									| França | 65,6 | 75,7 | 77,8 | 89,2 | 94,1 | 97,3 |  
									| Inglaterra | 45,1 | 46,4 | 57,0 | 72,4 | 82,4 | 88,5 |  
									| EUA | 54,5 | 61,4 | 71,0 | 84,3 | 93,6 | 101,1 |  
									| Eurozona | 75,8 | 78,1 | 76,5 | 86,9 | 92,7 | 95,6 |  
									| Total OCDE | 69,8 | 76,3 | 79,3 | 90,9 | 97,6 | 102,4 |  
							Apesar de a crise expressar-se mais explicitamente na questão das
							dívidas soberanas, esta é uma crise do sistema como um todo. Sua
							expressão nas dívidas soberanas é apenas a face mais
							visível da crise sistêmica global na Europa. Um dado importante a
							ser analisado é o fato de que as classes dominantes européias,
							mesmo com a experiência da primeira onda da crise, continuam insistindo
							nos velhos métodos do passado como se essa crise não tivesse
							características inteiramente diferentes das crises anteriores. O mais
							grave desta cegueira política é o fato de que estão
							implementando um conjunto de medidas predatórias contra os trabalhadores
							 que terão como conseqüência o aprofundamento da crise, que
							se espalhará para o conjunto das economias capitalistas; a
							desagregação do sistema financeiro internacional tal como
							conhecemos hoje; a recessão prolongada, o aumento do desemprego e a
							crise social.
							Notas
 Vejamos mais detalhadamente os principais elementos dessa conjuntura explosiva.
							O ritual é mais ou menos o seguinte: parte expressiva dessa
							dívida foi incentivada pelos próprios bancos, no seu permanente
							desejo de lucro fácil e sem risco, uma vez que se imaginava que as
							dívidas dos Estados eram um porto seguro para as atividades
							bancárias. Com a crise de 2008, os Estados ampliaram de maneira
							extraordinária seu endividamento para salvar o sistema bancário
							da falência. O sistema bancário ganhou sobrevida e impôs
							condições financeiras draconianas para os próprios
							países que lhes salvaram da bancarrota. Os Estados entraram em crise em
							função do aumento cada vez maior do serviço da
							dívida. Para garantir seus lucros, o sistema bancário vem
							pressionando as instituições e governos europeus para que
							imponham aos trabalhadores e ao povo em geral ajustes predatórios para
							que possam pagar a dívida.
 
 Vale ressaltar que a troika  (União Européia, Banco Central
							Europeu e FMI) tem se comportado nesta crise como uma junta de representantes
							do grande capital. No entanto, as medidas tomadas até gora, tais como a
							criação do fundo de resgate, empréstimos
							bilionários ao sistema bancário, os torniquetes econômicos
							impostos a países como a Grécia, Irlanda e Portugal, não
							foram suficientes para resolver a crise, pelo simples fato de que a crise
							sistêmica que envolve o mundo capitalista não pode ser resolvida
							com medidas paliativas. Essas medidas apenas adiam o desfecho do processo. Se
							observarmos o tamanho das dívidas soberanas e os recursos que
							estão sendo organizados para resgatar as economias de um possível
							colapso, poderemos constatar que são absolutamente irrelevantes diante
							da dimensão do problema.
 
 De fato, as dívidas soberanas dos países da zona do euro,
							conforme podemos observar na tabela, são inadministráveis, pois
							grande parte desses débitos ultrapassam 100% do PIB. Numa conjuntura de
							crescimento econômico, as dívidas poderiam ir sendo roladas sem
							grandes problemas, desde que não ultrapassassem certos limites. No
							entanto numa conjuntura de crise, com recessão generalizada, desemprego,
							queda no consumo e  na arrecadação tributária, a
							tendência é o aprofundamento da crise, fato que se
							concretizará à medida em que o primeiro País se declarar
							inadimplente, mesmo que este País não tenha grande
							expressão econômica, tendo em vista a estreita
							relação entre o endividamento e os bancos da zona do euro. Os
							chamados mercados entrarão em pânico, contagiando todas as outras
							dívidas e se instalará o caos econômico, um clima de
							salva-se quem puder, o que também atingirá em cheio a economia
							norte-americana.
 
 Por falar na relação 
							
								bancos europeus-dívidas soberanas
							
							, é necessário ressaltar que os bancos do velho continente
							estão profundamente envolvidos nesse processo e foram partícipes
							artífices do endividamento público. Em termos concretos, os
							bancos da Europa têm em carteira  3 trilhões de euros em
							títulos da dívida soberana,  representando quase 8% de seus
							ativos totais, o que por si só dá uma idéia da
							dimensão do problema. Se levarmos conta que a crise de 2008 levou
							à nacionalização de vários conglomerados
							financeiros europeus, imaginem o que poderá acontecer ao sistema
							bancário se ocorrer uma onde de calote soberano não apenas na
							Grécia, Portugal ou Irlanda, mas em países como Espanha ou
							Itália ou mesmo a França?!
 
 A cegueira do grande capital e seus representantes políticos diante da
							crise é tamanha que agora eles resolveram, num gesto desesperado, deixar
							de lado as aparência e intervir diretamente nos países com crises
							mais explícitas e exercer diretamente o poder político nas
							instituições e governos da região. É o caso dos
							pró-consules da Goldman Sachs que assumiram o poder na Europa. Ferina
							ironia: os homem que fabricaram a crise estão agora comandando o poder
							econômico e político na Europa. Sob a proteção da
							manipulação midiática, que os apresenta como um
							"governo técnico", eles estão encarregados de
							implementar o trabalho sujo, que consiste em saquear as economias nacionais,
							privatizar o patrimônio público, aumentar os impostos, ampliar o
							desemprego, cortar os salários, as pensões, reduzir o
							padrão de vida dos povos para satisfazer o apetite voraz do capital
							financeiro.
 
 Vejamos quem são esses personagens: Mário Draghi, antigo
							vice-presidente e membro do Comitê de Administração da
							Goldman Sachs, que tinha como uma de suas funções vender 
							
								swaps
							
							 aos países europeus, agora é presidente do Banco Central Europeu
							(BCE); Mario Monti, ex-presidente da Comissão Trilateral, do grupo
							Bilderberg, também assessor internacional da Goldman, agora é o
							principal dirigente político da Itália; Lucas Papademos,
							ex-governador do Banco Central Grego, participou das operações de
							falsificação das contas do País a serviço da
							Goldman, agora é o líder político da Grécia;
							além de outros personagens influentes na Europa e que participam da rede
							da Goldman na região. 
							[13]
							Em relação a esses personagens, vale o que disse certa vez
							Alessio Rastani, ex-trader, numa entrevista à BBC que chocou os mais
							desavisados; "Os políticos não governam o mundo. A Goldman
							Sachs governa o mundo".
 
 Essa ação desesperada do grande capital na Europa pode ser o
							canto dos cisnes antes da tempestade, mas vale uma advertência: a
							ação ousada do capital representa um perigo para o padrão
							de vida não apenas dos trabalhadores e da população em
							geral, mas para a própria democracia, pois a burguesia, em sua busca
							desesperada para sair da crise não apenas vem colocando todo o custo da
							crise na conta dos trabalhadores, como também não hesitará
							em atropelar a democracia e criar um clima de terra arrasada, caos,
							instabilidade, para atingir seus objetivos, instalando governos de
							caráter fascista, como ocorreu na Alemanha e Itália na
							década de 30, com as conseqüências que todos conhecemos.
 
 A luta de classes mudou de patamar
 
 Mas um fenômeno novo vem ocorrendo nesta conjuntura, que é a
							emergência das lutas sociais em praticamente todas as regiões do
							planeta. Ainda embrionárias, com certo grau de espontaneísmo, sem
							uma vanguarda com capacidade de construir um projeto alternativo ao do capital,
							as lutas de massas mudaram de patamar. Na primeira onda, a crise não
							teve uma resposta contundente dos trabalhadores, em termos de lutas sociais.
							Tomados de surpresa pela intensidade da crise, sem uma direção
							que as orientasse no sentido da combatividade de classe, fragmentados em
							função da reestruturação produtiva, do refluxo que
							caracterizou as três décadas de neoliberalismo e da ofensiva
							contra o movimento sindical e os direitos dos trabalhadores operados pelos
							sucessivos governos neoliberais, os trabalhadores praticamente se comportaram
							como coadjuvantes diante da crise mundial.
 
 O grande capital, também tomado de surpresa pela intensidade da crise,
							buscou num primeiro momento resolver os problemas injetando uma quantidade
							extraordinária de recursos na área financeira, visando  evitar o
							colapso do sistema. No entanto, tão logo foram aliviados os sintomas
							mais perversos da crise, o grande capital se estruturou em nível
							internacional, especialmente nos países centrais, para colocar todo o
							ônus da crise na conta dos trabalhadores, com medidas draconianas,
							impensáveis há poucos anos atrás, buscando aplicar aos
							trabalhadores uma derrota histórica, condição essencial
							para recuperar as taxas de lucros, disciplinar a classe operária, sair
							da crise e organizar a economia em novo patamar, de acordo com seus interesses.
 
 Mas, ao contrário do que imaginam os gestores do capital, essas medidas
							predatórias podem até apresentar algum resultado no curto prazo,
							mas é uma bomba de efeito retardado no médio prazo, uma vez que
							provocarão queda na atividade econômica, desemprego, queda na
							renda e no consumo e, portanto, mais recessão e mais crise. Realizar os
							ajustes draconianos em nível global, como está sendo feito na
							Europa, levará o mundo a uma depressão prolongada, maior que na
							crise de 1930, e a um levante social também de caráter global.
							Uma coisa é implementar essas medidas em países em que a
							miséria é parte da vida quotidiana das pessoas. Outra, é
							realizar essas medidas nos países onde as conquistas sociais já
							faziam parte do quotidiano da sociedade. A reação nessas
							sociedades pode ser muito maior, mais organizada, até mesmo porque as
							relações de produção são muito mais
							avançadas.
 
 Conforme advertíamos em nosso primeiro artigo, 
							[14]
							a crise torna a burguesia mais agressiva e evidencia de maneira mais clara os
							projetos do capital para resolver os problemas oriundos da crise. Do ponto de
							vista militar, pode-se constatar claramente uma ofensiva do imperialismo no
							sentido para fomentar intervenções militares e guerras em
							várias regiões, como os casos recentes da Líbia, da
							Síria e do Irã. Do ponto de vista econômico há uma
							ação articulada do capital no sentido de avançar sobre as
							finanças do Estado, bem como sobre os direitos e garantias dos
							trabalhadores e, do ponto de vista político, o capital vai cada vez mais
							tirando a máscara e impondo aos povos governos diretamente geridos pelos
							representantes do capital, cujas ações vem sendo realizadas no
							sentido de suprimir as próprias liberdades democráticas
							típicas dos tempos de calmaria do capitalismo.
 
 Diante desse quadro, os trabalhadores vão tomando consciência da
							conjuntura num processo de aprendizado mais rápido que nos tempos de
							calmaria. A partir do momento em que os governos começaram a tomar
							medidas concretas contra seus direitos e garantias, como no caso atual da
							Europa, a crise abre espaço para a emergência da luta popular, os
							trabalhadores e a população começam a sair às ruas
							em resistência aos ajustes, vão perdendo o medo, reorganizando
							suas forças e a luta de classes se intensifica.
 
 Conforme ainda afirmávamos no mesmo artigo, a crise iria abrir a
							possibilidade de uma retomada da luta de massas em caráter mundial,
							especialmente nos países centrais. 
							
								"Os desdobramentos desta crise vão atingir profundamente os
								trabalhadores em termos de emprego e de renda e vão acirrar a luta de
								classes nos países centrais e na periferia. Ao contrário do senso
								comum e de muitos companheiros da esquerda, nós achamos que o potencial
								da classe operária e dos trabalhadores em geral é muito mais
								forte nos países centrais que na periferia, pois é exatamente nos
								países centrais onde se encontra a classe operária mais
								avançada do ponto de vista das forças produtivas e o capitalismo
								mais maduro. Portanto, é o teatro de operações mais
								favorável para a luta de classes que nos países atrasados".
 
 Essa nossa análise continua válida para este momento
							histórico, muito embora a luta de classes não tenha ainda
							atingido, da mesma maneira que na Europa, o coração da economia
							líder, os Estados Unidos. Se observarmos o desenvolvimento da luta de
							classes em caráter mundial desde 2008, poderemos constatar que ocorreu
							uma mudança de qualidade em praticamente todos os continentes. Poucas
							pessoas imaginariam a queda dos regimes da Tunísia, do Egito, do
							Iêmen e as lutas ainda em curso dos povos árabes e do norte da
							África e Oriente Médio contra os sistemas tirânicos nessas
							regiões.
 
 Na Europa, onde o ajuste predatório promovido pelo capital é mais
							forte, tem ocorrido lutas em todos os países e, em muito deles, como na
							Grécia, se aproxima de insurreição popular. Até
							mesmo nos Estados Unidos ocorreram várias lutas sociais, em
							vários Estados, e um importante movimento social, o 
							
								Ocuppy Wall Street,
							
							 pode ter um desdobrando muito grande no futuro próximo. Na
							América Latina, as lutas sociais também estão ocorrendo de
							maneira efetiva, apesar de a região não ter sofrido o impacto da
							crise da mesma forma como ocorreu nos países centrais.
 
 Até agora, no entanto, a resistência popular à ofensiva do
							capital não tem sido realizada de forma organizada na maioria dos
							países. Isso se deve ao fato de que, em função da crise do
							socialismo, com a queda da URSS, ocorreu uma desagregação
							generalizada política, orgânica e ideológica dos
							comunistas,  o que afetou de maneira profunda o curso da luta de classe em
							nível mundial. Mas a crise é um fenômeno objetivo e se
							desenvolve independentemente da vontade das pessoas. Como a crise vai se
							aprofundar, o capital também vai procurar de todas as formas aprofundar
							o ajuste em caráter mundial, o que ampliará a resposta dos
							trabalhadores.
 
 O futuro em disputa
 
 A crise, por sua profundidade, dimensão e ofensiva do capital,
							compõe um labirinto de possibilidades tanto para o capital quanto para
							os trabalhadores. As crises em geral e as crises sistêmicas em
							particular, significam a hora da verdade da luta de classes. As classes
							fundamentais, burguesia e proletariado, entram em disputa aberta mesmo que a
							luta aparentemente não se torne explícita. Cada classe vai medir
							forças para implementar seu projeto de acordo com seus interesses e
							quando mais a crise se estender, maior será o acirramento da luta de
							classes.
 
 Neste momento o capital está na ofensiva política, militar e
							econômica, mas seu calcanhar de Aquiles é a própria crise
							econômica que não consegue resolver. Conforme
							assinalávamos, a crise se desenvolve em três patamares, a saber: a
							crise econômica, que leva à crise social, que se os problemas
							não forem resolvidas leva à crise política. A crise
							econômica e a crise social estão na ordem do dia e a crise
							política é o próximo momento da crise sistêmica
							global, quando ocorrer a desarticulação monetária
							financeira global e um ambiente de salve-se quem puder, com novas quebras
							financeiras, protecionismo, ampliação da guerra cambial, ditadura
							aberta do capital e emergência do movimento social em
							função da desarticulação política do poder
							do capital.
 
 Nada está descartado num ambiente de crise econômica, social e
							política do capital, nem mesmo um governo ao estilo fascista como na
							década de 30 na Europa, nem a revolução social. As crises
							funcionam como parteiras de uma nova época tanto para a burguesia quanto
							para o proletariado. Em função da crise e das lutas sociais, pode
							iniciar-se um período de repressão aberta contra os
							trabalhadores, sob o pretexto de manter a lei, a ordem e a estabilidade
							econômica. Mas também pode ocorrer uma resposta  dos trabalhadores
							muito maior do que se imaginava no início da crise. Vale lembrar que as
							crises levam a um aprendizado acelerado das massas. Setores que antes pareciam
							adormecidos, irrompem na cena política de maneira inesperada, há
							uma mudança nas condições subjetivas de sua
							organização.
 
 Isso não significa que toda crise sistêmica gere fascismo ou
							revolução. São apenas possibilidades. Mas a luta entre
							capital e trabalho em caráter mundial está num outro patamar. O
							mundo que emergirá após a crise será muito diferente da
							ordem estruturada em Bretton Woods. Não se pode prever qual será
							a classe vitoriosa nesse processo que se abriu com a crise de 2008, mas a
							construção de um mundo futuro será resultado do embate que
							as duas classes fundamentais travarão ao longo da crise sistêmica
							global.
 1- Karl Marx. Contribuição à Crítica da Economia
								Política, pag. 6. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
 2- Karl Marx. Manifesto Comunista, pg. 45. São Paulo: Boitempo
								Editorial, 1998.
 3- Engels, Friedrich. Prefácio à edição inglesa do
								capital. Volume I, pg 33. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
 4- Engels, Friedrich. O capital. Vol. II. Pg. 28. São Paulo: Abril
								cultural, 1983.
 5- Roubini, N. Mihm, S. A economia das crises  Um curso relâmpago
								sobre o futuro do sistema financeiro internacional. Rio de Janeiro:
								Intrínseca, 2010.
 6- Coggiola. O. As Grandes Depressões, 1873-1896  - 1929-1939, pag.
								72-3. São Paulo: Alameda, 2009.
 7- Dobb, M. A Evolução do Capitalismo, 9º. Ed., pag. 300.
								Rio de Janeiro: LTC, 2009.
 8- Coggiola, O. As Grandes Depressões  1876-18796 
								1929-1939, pag. 73-73. São Paulo: Alameda, 2009.
 9- A extração do valor fora das fronteiras nacionais foi abordada
								anteriormente por Michalet, em seu livro capitalismo mundial (Paz e Terra,
								1984), muito embora aquela análise não se referisse à
								questão da globalização atual.
 10- A crise completa do sistema capitalista foi desenvolvida por Lauro Campos 
								(A crise completa  a economia política do não. São
								Paulo: Boitempo, 2001), muito embora o autor não estivesse se referindo
								especificamente à crise sistêmica global em curso.
 11- Costa, Edmilson. A crise mundial do capitalismo e as perspectivas dos
								trabalhadores. Resistir.info, 5 de fevereiro de 2009.
 12- Trata-se da tese de pós-doutoramento que elaboramos em 2002 no
								Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.
 13- Peter Chistodoulos,
								 hoje administrador da dívida pública grega, também
								ex-presidente do Banco Nacional da Grécia e ex-trader da Goldman,
								também participou da maquiagem das contas gregas para favorecer a
								Goldman; Ottmar Issing, ex-presidente do Bundesbank e conselheiro internacional
								as Goldman; Peter Sutherland, ex-presidente da Goldman Internacional, e
								ex-integrante da Comissão de Competição da União
								Européia; e até mo criar dos BRICS, Peter O´Neil, influente
								personagem na formulação das políticas econômicas
								atuais, também é um homem da Goldman, pois presidiu a Goldman
								Sachs Asset Management.
 14- Trata-se do artigo  "A crise mundial do capitalismo e a perspectiva
								dos trabalhadores", publicado inicialmente em resistir.info e depois
								reproduzido em centenas de sites, blogs de vários países e,
								posteriormente na revista Novos Temas, do Instituto Caio Prado Junior.
 
 [NR] No Brasil chamam de renda a qualquer espécie de rendimento e
								não apenas a renda propriamente dita.
 
 Bibliografia
 DEPARTMENT of COMMERCE
								. Bureau of the Census and Bureau of Economic Analysis, Table B, 106, 2011.
 CAMPOS,
								 Lauro. A Crise Completa  A economia  política do Não.
								São Paulo: Boitempo Editorial
 COGGIOLA,
								 Oswaldo. As Grandes Depressões, 1873-1986; 1929-1939. São Paulo:
								Alameda, 2009.
 COSTA	, Edmilson. A Crise Econômica Mundial e as Perspectivas do
								Capitalismo.
								São Paulo: Novos Temas, No. 1, 2009.
 _____________ A Globalização Neoliberal e as Novas
								Dimensões do Capitalismo. Tese de Pós-Doutoramento. IFCH-Unicamp,
								2002.
 DOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro: LTC,
								2009.
 EYCHENGREEN, Barry. Privilégio exorbitante. Rio de Janeiro: Campus, 2011.
 ENGELS, Friedrick. Nota de rodapé. Vol. II de O capital. São
								Paulo:
								Abril Culural, 1983.
 ECONOMIC OUTLOOK
								. OCDE, No. 89. Annex Table, 32. General government financial liabilities, 2011.
 MCNICHOL, E; OLIFF, P. JOHNSON,
								 N. States Continue to Feel Recession´s Impact. Center Budget and Policy
								Priorities. USA: Table 4, March, 2012.
 MARX, 	Karl; 
								ENGELS, Friedrick. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo Editorial,
								1998.
 MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia
								Política. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
 MICHALE
								T, Charles Albert. Capitalismo Mundial. São Paulo: Paz e Terra, 1983.
 OECD. Economic Outlook, No. 89, 2011.
 ROUBINI,
								 Nouriel; 
								MIHM
								, Stephen. A Economia das Crises  Um curso relâmpago sobre o futuro
								do sistema financeiro internacional. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.
 
 Do mesmo autor:
 Uma crítica aos pós-modernistas
								
								 A crise mundial do capitalismo e as perspectivas dos trabalhadores
								
								 A tragédia da social-democracia retardatária no Brasil
 
 [*]
								Doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com
								pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
								mesma instituição. É professor universitário e
								autor de 
								
									Imperialismo
								
								 (Global, 2007), 
								
									A Política Salarial no Brasil
								
								 (Boitempo, 1997) 
								
									A Globalização e o Capitalismo Contemporâneo
								
								 (Expressão Popular, 2008), além de vários ensaios
								publicados no Brasil e exterior. É membro do Comitê Central do PCB.
 
 Este artigo encontra-se em
								 http://resistir.info/
								.
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