A crise na era senil do capitalismo
Incerteza
Incerteza
é a palavra que melhor define o clima psicológico actual. Todos
os precedentes capitalistas desta crise demonstraram-se imprestáveis na
hora de entender o que está a acontecer. A imagem da "terra
incógnita", da entrada num território desconhecido vai-se
impondo entre as elites das grandes potências. Num artigo recente
aparecido em
The Independent,
Jeremy Walker resume bastante bem esta nova percepção:
"Encontramo-nos num mar desconhecido, ninguém sabe para onde vamos.
A única coisa que sabemos é que a tormenta económica
prossegue a sua marcha"
[1]
.
Por sua vez, James Rickards, uma figura chave do aparelho de inteligência
estado-unidense (formalmente é assessor financeiro do gabinete do
secretário da Defesa) apresentou em 17 de Dezembro de 2008 um
relatório auspiciado pela U.S. Navy onde traça quatro
cenários catastróficos sobre o futuro dos Estados Unidos. Um
(como não podia deixar de ser na era Bush) a descrever um mega ataque
terrorista que se aproveitaria da extrema debilidade da economia para assestar
um golpe mortal no Império. Outro, centrado numa suposta agressão
financeira da China a vender maciçamente no mercado dólares e
títulos públicos estado-unidenses provocando assim o derrube das
suas cotações. Um terceiro cenário apresenta a queda livre
do dólar e as consequências desastrosas para a sociedade imperial
e o resto do mundo. E finalmente um quarto cenário, talvez o mais
importante, denominado "Derrube existencial", que prognostica uma
depressão prolongada com redução do Produto Interno Bruto
da ordem dos 35% ao longo dos próximos 6 ou 7 anos, com uma taxa de
desemprego que logo chegaria aos 15%, etc.
[2]
A ilusão da auto-regulação do mercado financeiro
esfumou-se. Os gurús da especulação ocultaram-se ou
mudaram de discurso procurando outros deuses: os da intervenção
estatal, os quais há umas poucas décadas haviam lançado no
baú dos velhos objectos inúteis. Nos fins de 2008 numerosas
revistas especializadas de todos os continentes, algumas destinadas ao grande
público, mostravam a fotografia de lord Keynes desenterrado para
salvar-nos do desastre. Mas até agora a nova-velha magia
intervencionista demonstrou a mais completa impotência. Vários
milhões de milhões de dólares, euros e outras moedas
fortes (fortes?) foram lançados no mercado em espectaculares
operações de salvamento com resultado nulo. O mercado não
se auto-regula, mas tão pouco aceita ser regulado. Uma avalanche de
acontecimentos sepultou por completo os prognósticos conservadores dos
triunfadores da Guerra Fria. O futuro já não será
mais-do-mesmo
e ao fundir-se essa linearidade burguesa da história ressurge com uma
força inusitada, o que Mircea Eliade denominava "o terror da
história". Neste caso, diante de uma provável
sucessão de factos em que os poderes e valores dominantes não
sejam respeitados, ultrapassados por forças hostis. É no
seio das classes dominantes que esse terror cresce velozmente.
A crise financeira é gigantesca, mas também o são as
"outras crises", umas mais visíveis ou virulentas que outras a
convergirem até formar um fenómeno inédito. Para tomar um
só exemplo, a crise energética que se exprime por agora no
estancamento e na próxima redução da
produção petrolífera global, foi até há
pouco um catalisador decisivo da especulação e da
inflação (até antes da queda económica do
último trimestre de 2008) e aguarda-nos num futuro não muito
longínquo para assestar-nos novos golpes inflacionários, quando a
extracção descer mais alguns degraus ou quando a depressão
económica se detiver. Por outro lado, a crise energética
está associada à crise alimentar e ambas assinalam a
existência de um impasse tecnológico geral que se estende ao meio
ambiente e ao aparelho militar-industrial, tudo isso concentrado e exacerbado a
partir do colapso financeiro nos Estados Unidos, o centro do mundo.
É possível afirmar que as diversas crises não são
senão aspectos de uma única crise, sistémica, do
capitalismo como etapa da história humana.
[3]
Ciclos
Um componente importante dessa crise psicológica é a
constatação de que certos ciclos que pareciam reger o
funcionamento económico deixaram de funcionar. Trata-se da
destruição da crença em que após um determinado
número de meses ou de anos de vacas magras chegaria o das vacas gordas e
que o sistema continuaria o seu caminho ascendente.
Os ciclos decenais descobertos por Juglar por volta de 1860 atravessaram boa
parte do século XIX exprimindo as oscilações do jovem
capitalismo industrial, ainda que no fim do mesmo essas rotinas tenham-se
tornado opacas. Por volta de 1885, numa nota anexa ao Livro III do
Capital,
Engels assinalava que "se verificou uma viragem desde a última
grande crise geral (1867). A forma aguda do processo periódico com o seu
ciclo de dez anos que se vinha observando até então parece haver
cedido o lugar a uma sucessão antes crónica e longa de
períodos relativamente curto e ténues de melhoria dos
negócios e períodos longos de depressão...". E
atribuía essa mudança à nova configuração
económica internacional marcada pelo desenvolvimento rápido dos
meios de comunicação, pela ampliação do mercado
mundial e pelo fim do monopólio industrial inglês
[4]
. Os velhos ciclos decenais tendiam a desaparecer porque o capitalismo havia
sofrido mudanças estruturais decisivas.
Mas isso não afectou outras rotinas do sistema, como as ondas longas de
Kondratieff, etapa de aproximadamente entre 50 e 60 anos
[N.T.]
(a primeira metade de ascensão económica e a segunda de descida)
que se vinham sucedendo a partir da revolução industrial inglesa.
Ao longo da história do capitalismo foram registados quatro ciclos de
Kondratieff. O primeiro iniciou-se em fins do século XVIII e concluiu-se
em meados do século XIX. O segundo terminou durante a última
década desse século e o terceiro durante os anos 1940 quando se
iniciou um quarto ciclo, cuja etapa de prosperidade chegou até fins dos
anos 1960, até 1968 se acompanharmos a proposta de Mandel que prefere
estabelecer cortes históricos precisos
[5]
. A partir desse momento a taxa de crescimento da economia mundial impulsionada
pelos países capitalistas centrais descreveu uma tendência
descendente no longo prazo que não se deteve até hoje e que
deveria prolongar-se num futuro previsível (ver Gráfico 2).
Se aceitarmos a periodização de Mandel, a fase descendente do
primeiro Kondratieff teria durado uns 22 anos, a do segundo 20 anos e a do
terceiro 26 anos. A média é de aproximadamente 22,6 anos, mas a
descida do quarto Kondratieff já estaria a durar uns 40 anos (em 2008) e
não é demasiado ousado prever o seu prolongamento pelo menos um
lustro mais. Seguindo o modelo teórico, a recuperação
deveria ter começado em meados da década passada. Isso não
se verificou e tão pouco aconteceu na actual (ver Gráfico 3)
Pior ainda, cada fase ascendente costuma ser associada às grandes
inovações tecnológicas que modificaram os sistemas de
produção e os estilos de consumo. Assim aconteceu durante a
primeira revolução industrial com a máquina a vapor e a
expansão da indústria têxtil, em meados do século
XIX com o aço e o desenvolvimento das ferrovias, em fins do
século XIX com a electricidade, a química e os motores, e em
meados dos anos 1940 com a electrónica, a petroquímica e os
automóveis no arranque do quarto Kondratieff. Assim
"devia ter sucedido"
na década dos anos 1990, atravessada por grandes inovações
na informática, biotecnologia e novos materiais. Contudo, essas
mudanças técnicas não modificaram positivamente o curso
dos acontecimentos. Ao contrário, acentuaram as suas piores
características. A informática por exemplo: quando avaliamos o
seu impacto segundo a importância da actividade económica
envolvida constatamos que a sua principal aplicação se verificou
na área do parasitismo financeiro, cujo volume de negócios (uns
mil milhões de milhões de dólares) equivale actualmente a
cerca de 19 vezes o Produto Mundial Bruto.
Isto permite-me colocar a hipótese de que assim como ocorreu há
cerca de um século com os ciclos decenais de Juglar podemos actualmente
sustentar que as ondas longas de Kondratieff perderam a sua validade
científica. A fase descendente do quatro Kondratieff foi triturada pela
nova realidade. A economia mundial completamente hegemonizada pelo parasitismo
financeiro obedece a uma dinâmica radicalmente diferente da que vigorou
durante a era do capitalismo industrial.
Frente a essa evidência não faltam peritos e académicos
desejosos de encontrar uma nova rotina restauradora da ordem. Alguns
propõem regressar a ciclos mais curtos e violentos estilo Juglar
(retorno ao século XIX?), outros misturam Juglar e Kondratieff
introduzindo alguns adornos provenientes da psicologia social, outros realizam
manipulações econométricas no ciclo Kondratieff
conservando assim a esperança numa futura recomposição
ascendente do sistema. É o caso de Ian Gordon, renomado especialista
norte-americano em prognósticos económicos que não tem
dúvida em fabricar um super
"quarto Kondratieff"
estado-unidense de quase 70 anos, correndo para a direita o início da
sua etapa ascendente (desde 1940 a 1950) estendendo-a até os anos 1980 e
propor o fim do descida (e o começo de um novo e maravilhoso quinto
Kondratieff caitalista) para fins da segunda década do século XXI
[6]
.
Senilidade
O fim das rotinas e a entrada num tempo de desordem geral estão
assinalar-nos que o mundo burguês não se encontra perante uma
enfermidade passageira, uma
"crise cíclica" mais
no interior do grande ciclo, único e supostamente vigoroso do
capitalismo e sim perante uma crise de enorme amplitude onde as enfermidades
multiplicam-se não por um capricho do destino e sim porque o organismo,
o sistema social universal, está muito velho.
O capitalismo mundial entrou na etapa senil
[7]
no anos 1970 quando o parasitismo se tornou hegemónico. Ao longo da
referida década e do primeiro lustro dos anos 1980 ocorreram factos
decisivos nos Estados Unidos, dentre eles o princípio do declínio
da produção petrolífera, a decisão do governo Nixon
de acabar com o padrão dólar-ouro, a derrota no Vietname a que a
seguir acrescentaram-se os défices comerciais e fiscais crónicos
e a subida incessante das dívidas pública e privada, a
concentração de rendimentos, o consumismo, a
elitização e degradação do sistema político,
etc.
Tudo isso redundou, nos princípios do século XXI, quando se
desinchou a bolha bursátil, numa situação extremamente
grave à qual o Império respondeu com uma desesperada fuga para a
frente: radicalizou a sua estratégia de conquista da Eurásia
desenvolvendo grandes operações militares (Iraque,
Afeganistão) e reanimou a especulação financeira inchando
a bolha imobiliária e, graças a ela, voltando a inchar a bolha
bursátil. Perante a crise do parasitismo financeiro decidiu impulsionar
um onda parasitária muito maior que a anterior. Não se tratou de
um
"erro estratégico"
e sim uma consequência estratégica lógica inscrita na
dinâmica dominante do sistema de poder.
Um primeiro indicador de senilidade é a decadência dos Estados
Unidos,
resultado de um longo processo de degradação. A
"globalização"
desenvolvida desde os anos 1970 implicou um triplo processo: o aburguesamento
quase completo do planeta (a cultura do capitalismo tornou-se verdadeiramente
universal ao derrotar a URSS e integrar a China), a
financiarização integral do capitalismo (hegemonia
parasitária) e a unipolaridade, a instalação do
Império norte-americano como poder supremo mundial. É o principal
consumidor global e área central dos negócios financeiros
internacionais ao que se acrescenta o facto decisivo da
"norte-americanização"
da cultura das classes dominantes do mundo. É por isso que o
declínio (senilidade) dos Estados Unidos, para além das suas
consequências económicas (ou incluindo suas consequências
económicas) constitui o motor da decadência universal do
capitalismo.
O Império foi em simultâneo verdugo e vítima do resto do
mundo. O seu consumismo parasitário teve como contrapartida os bons
negócios comerciais e financeiros das burguesias da União
Europeia, China, Japão, Índia, etc. O inchaço
parasitário estado-unidense foi o amortecedor fundamental da crise de
superprodução crónica das grandes potências, mas a
bolha imperial agora está a desinchar e o capitalismo global entra na
depressão.
Um segundo indicador de senilidade é a interacção entre
dois fenómenos: a hipertrofia financeira global e a
desaceleração no longo prazo da economia mundial
(ver o Gráfico 2). Em princípios do século XXI
chegámos à financiarização integral do capitalismo.
As tramas especulativas impuseram sua
"cultura"
curtoprazista e depredadora que passou a ser o núcleo central da
modernidade. Presenciamos um círculo vicioso. A crise crónica de
superprodução iniciada há quatro décadas comprimiu
o crescimento económico desviando excedentes financeiros para a
especulação, cujo ascensão operou como um mega aspirados
de fundos retirados ao investimento produtivo. Hoje a massa financeira mundial
estaria a chegar aos mil milhões de milhões (10
15
) dólares (só as operações com produtos financeiros
derivados registadas pelo Banco da Basileia superam os 600 milhões de
milhões de dólares.
A economia mundial cresce cada vez menos. Além disso enfrenta um tecto
energético que bloqueia o seu desenvolvimento, o que nos sugere o tema
da crise energética, ou seja, da incapacidade tecnológica do
sistema para superar a armadilha do esgotamento dos recursos naturais
não renováveis. Não esqueçamos que o capitalismo
industrial pôde alçar voo a partir dos fins do século XVIII
porque conseguiu tornar-se independente dos recursos energéticos
renováveis que o submetiam aos seus ritmos de reprodução e
impor a sua lógica aos recursos não renováveis: o
carvão, seguido mais adiante pelo petróleo. Essa proeza
depredadora (que nos levou ao desastre actual) foi um pilar decisivo da
construção do seu sistema tecnológico articulador de
complexa e evolutiva rede de procedimentos produtivos, produtos,
matérias-primas, hábitos de consumo, etc, enlaçando o
desenvolvimento científico e as estruturas de poder.
A crise energética está associada à crise alimentar,
à qual deveríamos acrescentar a crise ambiental, para revelar
um terceiro indicador de senilidade: o bloqueio tecnológico.
É útil o conceito de
limite estrutural do sistema tecnológico,
definido por Bertrand Gille como o ponto no qual o referido sistema é
incapaz de aumentar a produção a um ritmo que permita satisfazer
necessidades humanas crescentes
[8]
. Não se trata de necessidades humanas em geral, ahistóricas, e
sim de exigências sociais historicamente determinadas. É
possível assim formular a hipótese de que o sistema
tecnológico do capitalismo estaria a chegar ao seu limite superior para
além do qual vai deixando de ser o pilar decisivo do desenvolvimento das
forças produtivas para converter-se na ponta de lança da sua
destruição.
O capitalismo está agora a gerar um enorme desastre ecológico,
resultado de uma
rigidez civilizacional
decisiva que o impede de superar uma dinâmica tecnológica que
conduz à depredação catastrófica do meio ambiente.
Cada vez que isso ocorreu no passado pré-capitalista foi porque a
civilização que engendrou o referido sistema técnico havia
chegado à sua etapa senil (a destruição do meio ambiente
é na realidade auto-destruição do sistema social
existente).
Um quarto indicador de senilidade é a degradação
estatal-militar,
posta em evidência pelo fracasso da aventura dos falcões
norte-americanos mas que exprime uma realidade global. O Estado
intervencionista permitiu controlar as crises capitalistas verificadas desde os
princípios do século XX, sua ascensão esteve sempre
associada à do militarismo, às vezes de maneira visível e
outras, após a Segunda Guerra Mundial, sob disfarce democrático
(se observarmos a evolução dos Estados Unidos desde os anos 1930
comprovaremos que o
"keynesianismo militar"
constituiu até hoje a espinha dorsal do seu sistema).
Mas finalmente o desenvolvimento das forças produtivas universais,
até chegar à sua actual degeneração
parasitária-financeira, acabou por ultrpassar os seus reguladores
estatais submergindo-os na maior das suas crises. O neoliberalismo aparentou
ser a expressão de uma globalização superadora dos
estreitos capitalismos nacionais. Na realidade tratava-se do vigoroso monstro
financeiro a devorar o seu pai estatal-produtivo-keynesiano. Agora,
encurralados pela crise, os dirigentes das grandes potências retornam ao
intervencionismo estatal que resulta ser impotente perante a maré
financeira.
Esta decadência estatal inclui a do militarismo moderno evidenciado pelo
atolamento militar do Império no Iraque e do conjunto do Ocidente no
Afeganistão. Trata-se de um fenómeno duplo. Por um lado, a
ineficácia técnica desses super aparelhos militares para ganhar
as guerras coloniais. Por outro, o seu gigantismo parasitário a operar
como acelerados da crise. O caso norte-americano é exemplar (e sobre
determinante): a hipertrofia bélica surge como um factor decisivo para
os défices fiscais e a corrupção generalizada do Estado.
Um quinto indicador de senilidade é a crise urbana
desencadeada na era neoliberal e que se agravará exponencialmente ao
ritmo da crise actual. Desde princípios dos anos 1980, quando o
desemprego e o emprego precário nos países centrais tornaram-se
crónicos e quando a exclusão e a pobreza urbana expandiu-se na
periferia, o crescimento das grandes cidades foi cada vez mais o equivalente de
involução das condições de vida das maiorias. A
decomposição das cidades é claramente visível na
periferia, mas não é exclusividade sua. Trata-se de um
fenómeno global ainda que seja no mundo subdesenvolvido que se sucedam
os primeiros colapsos, expressões mais agudas de uma onda multiforme,
irresistível.
Crise
Desde a sua origem o capitalismo industrial experimentou uma longa
sucessão de crises de superprodução. No século XIX
tratou-se de crises cíclicas de crescimento uma
civilização jovem. Após cada grande turbulência o
sistema expandia-se, mas deixando sequelas negativas que se foram acumulando
até finalmente engendrar uma força parasitária-financeira
que nos princípios do século XX tornou-se dominante. Nesse
momento o capitalismo entrou na sua era de
"maturidade".
A intervenção estatal junto aos parasitismos militar e financeiro
conseguiu controlar as crises, das quais emergiram fenómenos de
decadência que deram um salto qualitativo ao desencadear da crise de
superprodução dos fins dos anos 1960. Esta última foi
amortecida, o sistema global continuou a crescer mas sobre a base da
expansão exponencial da depredação ambiental e do
parasitismo, principalmente financeiro. Este passou a controlar por completo o
conjunto do mundo burguês, inaugurando a era senil do capitalismo.
Neste novo contexto foi-se preparando a grande explosão que hoje
presenciamos, cujo disparador foi o colapso financeiro de 2008. A partir do
mesmo o capital global vai passando (rapidamente) da condição de
um sistema velho a crescer cada vez menos e com maiores custos sociais para se
tornar abertamente uma força destruidora das forças produtivas e
do seu contexto ambiental (da
"destruição criadora"
schumpeteriana do século XIX à destruição
depredadora do século XXI).
As civilizações anteriores ao capitalismo não liquidadas
por factores exógenos (invasões, catástrofes naturais,
etc) foram-no por devastadoras e prolongadas crises de
sub-produção em que a sua rigidez técnica (produto do
envelhecimento cultural) bloqueava o desenvolvimento produtivo e desencadeava
uma catástrofe ecológica. O motor dessas tragédias foi
sempre o predomínio paralisante do parasitismo acumulado durante o longo
ciclo civilizacional.
A burguesia proclamava haver terminado com as crises sub-produção
das antigas civilizações graças ao excepcional dinamismo
tecnológico do sistema, o qual só podia sofrer crises de
super-produção sempre controladas graças ao
crescente refinamento dos seus instrumentos de intervenção (que o
neoliberalismo não eliminou e sim potenciou ao pô-los ao
serviço da depredação financeira). Ridicularizavam os
catastrofistas, especialmente os marxistas, que aguardavam a crise geral e
final de superprodução que nunca chegou. Contudo, as referidas
crises foram acumulando um potencial parasitário que agora começa
a gerar uma crise de superprodução planetária, a maior da
história humana. Se neste caso quiséssemos continuar a utilizar o
conceito de
crise cíclica,
teríamos de fazê-lo com referência ao ciclo quase
bicentenário do capitalismo que acaba de entrar no período
de aceleração da senilidade, de multiplicação de
enfermidades e de colapsos.
Quatro esperas inúteis
Tendo presente este contexto de crise sistémica, civilizacional, que
fazer referência a quatro esperas inúteis que florescem nos
círculos de poder e nas suas periferias cortesãs.
A primeira delas, que sobre determina as outras três, é a da
chegada de um quinto ciclo de Kondratieff, de uma nova prosperidade produtiva
do capitalismo, aguardado durante a década passada e a actual.
Não pode chegar porque a estrutura económica que engendrava esse
tipo de ciclos no passado desapareceu vítima do parasitismo financeiro.
A segunda refere-se à chegada milagrosa de um novo keynesianismo que,
empunhando a espada do intervencionismo estatal, cortaria a cabeça aos
malvados especuladores financeiros e instalaria no centro do palco os bons
capitalistas produtivos. O novo herói keynesiano não
chegará porque o seu instrumento decisivo, o Estado, é impotente
frente à maré financeira e muito mais ainda frente ao oceano da
crise sistémica, além de a longa festa neoliberal tê-lo
degradado profundamente. Por outro lado os bons capitalistas produtivos
não aparecem em lado nenhum, o que realmente aparecem por todos os lados
são os génios da especulação financeira.
A terceira espera inútil é a do renascimento do Império
depois de quase quatro décadas de decadência, sobrecarregado de
dívidas, enlouquecido pelo consumismo, com uma cultura produtiva
seriamente deteriorada. Não existe nenhum indício sério
desse suposto renascimento.
Finalmente, a quarta espera inútil é a de um novo Império
capitalista ou uma nova aliança imperial, um novo centro do mundo
burguês. A junção total entre as grandes potências
descarta totalmente essa expectativa (a referida junção é
o resultado de um longo processo de integração que acabou por
conformar um sistema global fortemente inter-relacionado).
Notas
(1), DeDefensa.org, 17/12/2008 - Faits et comentaires- "Notre temps de la
Terra Incognita" (
www.dedefensa.org
).
(2) Eamon Javers, "Four really, really bad scenarios", Politico.com,
17 de diciembre de 2008, (
www.politico.com/news/stories/1208/16663.html
).
(3), Jorge Beinstein, "Los rostros de la crisis. Reflexiones sobre el
colapso de la civilización burguesa", Rebelión:
http://www.rebelion.org/docs/75463.pdf
,
Espai Marx:
www.moviments.net/espaimarx
(4), Carlos Marx, "El Capital", Libro III, Capítulo 30, nota
3, páginas 458 e 459, Fondo de Cultura Económica, México,
D.F, 1966.
(5) Ernest Mandel, "Las ondas largas del desarrollo capitalista",
Ediciones Siglo XXI de España, Madrid, 1986.
(6) Ian Gordon, The Long Wave Analyst
(
http://www.thelongwaveanalyst.ca/cycle.html
).
(7) O conceito de capitalismo senil foi elaborado nos anos 1970 por Roger
Dangeville (Roger Dangeville, "Marx-Engels. La crise", editions
10/18, Paris 1978) e retomado por vários autores na presente
década (Jorge Beinstein, "Capitalismo Senil",
Edições
Record, Rio de Janeiro, 2001), Samir Amin , "Au delà du capitalisme
senile", Actuel Marx -PUF, Paris 2002).
(8) "Histoire des techniques", sous la direction de Bartrand Gille,
La Pléiade, Paris, 1978.
[N.T.] Pode-se discutir a existência real dos referidos Ciclos de
Kondratieff e a sua validade científica. Muitos consideram que tal
teorização é sobretudo especulação. Grande
parte dos economistas marxistas nega a existência de ciclos de
Kondratieff.
[*]
Economista, argentino.
O original encontra-se em
El Viejo Topo,
Barcelona, n° 253, Fevereiro 2009
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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