A resolução firme da Coreia do Norte é legítima,
não temerária
por Finian Cunningham
O teste mais recente de um míssil balístico de longo alcance da
Coreia do Norte verifica-se poucos dias depois de o novo presidente da Coreia
do Sul, Moon Jae-in, ter tomado posse afirmando que estava pronto para
conversações diplomática com o seu vizinho do Norte.
O teste do míssil, o qual
confirmadamente
demonstra que o Norte alcançou capacidade balística para
lançar um ataque armado a território dos EUA, segue-se
também ao anúncio do presidente Donald Trump, no princípio
deste mês, indicando seu desejo de manter conversações
frente-a-frente com o líder norte-coreano Kim Jong-un.
Trump na semana passada
convidou
o recém eleito presidente Moon para ir a Washington discutir a crise
coreana, após a sua eleição em 9 de Maio. Moon Jae-in, um
advogado especialista em direitos humanos, adoptou uma atitude mais
conciliatória em relação à Coreia do Norte do que
os seus antecessores de direita em Seul. Recentemente ele também
exprimiu críticas à posição militarista de
Washington em relação ao adversário norte-coreano e apelou
ao invés a conversações regionais com a China e
Japão a fim de tentar desnuclearizar a península.
Pode parecer um tanto estranho, portanto, que Kim Jong-un tenha ordenado o
teste de míssil neste fim de semana. Previsivelmente, ele obteve com
isso críticas de Washington e Seul, os quais denunciaram o teste como
mais uma provocação e violação das
sanções da ONU. Os EUA, Coreia do Sul e Japão pediram uma
reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU.
Assim, o último teste de míssil pareceria mostrar que a Coreia
do Norte estaria implacavelmente a comprometer delicadas aberturas para
negociações diplomáticas.
Segundo informações dos media, citando a agência oficial de
notícias
KCNA
da Coreia do Norte, o teste mais recente revela uma nova
espécie de motor balístico, o qual deixa o estado comunista muito
mais próximo de obter um míssil balístico intercontinental
(ICBM). Alcançando uma altitude de mais de 2100 quilómetros, o
míssil Hwasong-12 foi calculado para ter capacidade de atingir um alvo a
mais de 4500 km se voar mais baixo, na trajectória normal. Isso
dá à Coreia do Norte o alcance para atacar o território
estado-unidense da ilha de Guam, no Pacífico. O míssil foi
disparado deliberadamente num ângulo agudo de modo a que não
infringisse territórios vizinhos. Ele caiu no Mar do Japão,
dentro das águas territoriais da Coreia do Norte.
Para um ataque à costa Oeste dos EUA a Coreia do Norte precisaria ter um
míssil capaz de voar 8000 km mas ainda não o tem.
Em consequência do teste deste fim de semana, a
administração Trump reagiu com apelos a todos os países
para
imporem sanções ainda mais duras à Coreia do Norte. O
embaixador
dos EUA na ONU, Nikki Haley, disse que Washington e seus aliados
"apertariam os parafusos" sobre Kim Jong-un.
A Rússia, contudo, adoptou uma abordagem mais moderada e sabiamente
apontou para a fórmula mais abrangente que é necessária a
fim de resolver a arrastada crise coreana. Ao falar na cimeira económica
de Pequim, na segunda-feira, o presidente Vladimir Putin
disse
que o último teste do míssil norte-coreano era
"contra-producente" e "perigoso". Contudo, ele
também assinalou sem rodeios o quadro maior, o qual é
absolutamente chave para encontrar um meio de evitar uma
confrontação desastrosa.
Sem mencionar especificamente os EUA pelo seu nome, Putin disse que Washington
deve desistir de "intimidar" a Coreia do Norte. Ele conclamou todas
as partes a "encontrarem soluções pacíficas".
De modo crucial, o líder russo ampliou o contexto da crise coreana. Ele
disse que a preparação para combate
(saber-rattling)
de Washington e a sua postura de "mudança de regime" estava a
incitar uma "corrida às armas" e a um futuro conflito.
Nas últimas semanas, numerosos altos responsáveis dos EUA,
incluindo Trump e seu chefe da Defesa James Mattis, ameaçaram
explicitamente a Coreia do Norte com um ataque militar preventivo
(pre-emptive).
Os EUA ao conduzirem os chamados "jogos de guerra" com navios,
submarinos e aviões com capacidade nuclear têm escalado [o
conflito] na Península Coreana, enquanto Washington emite ultimatos a
Pyongyang para abandonar seu programa de armas nucleares e testes de
mísseis balísticos.
Dado o contexto da agressão americana, o teste de míssil mais
recente da Coreia do Norte parece não um acto temerário e sim uma
declaração resoluta do seu direito à auto-defesa.
Christopher Black, um advogado internacional especializado em crimes de guerra
que estudo longamente a geopolítica da região, afirma que a
Coreia do Norte quer ver acção substantiva por parte dos EUA e
dos seus aliados rumo a um acordo pacífico, não apenas
retórica a aludir a compromissos diplomáticos.
Black afirma: "Sinais recentes de Trump e da Coreia do Sul em favor da
diplomacia serão vistos pela Coreia do Norte como artifícios
tácticos para levá-los a atrasar seu programa de defesa. Eles
confiarão só em acções concretas em favor da paz,
não em mera retórica, e até que as forças dos EUA
deixem a península e cessem de ameaçar militarmente o Norte,
Pyongyang assumirá que o status quo de agressão dos EUA continua.
Daí a sua contínua determinação em desenvolver a
sua defesa. O teste de míssil mais recente é uma
declaração clara da intenção do Norte de continuar
a desenvolver os meios para defender-se uma vez que vê os EUA a
esgrimirem força unilateralmente".
O problema aqui, como sempre, é o arrogante "excepcionalismo
americano". Toda a consternação dos media ocidentais sobre o
novo míssil balístico da Coreia do Norte ser capaz de atingir o
território estado-unidense de Guam omite o reconhecimento de que aquela
base aérea americana tem bombardeiros pesados B1, B2 e B52 estacionados
permanentemente, os quais têm estado envolvidos em manobras
ameaçadoras contra a Coreia do Norte durante os últimos 64 anos,
desde o fim da Guerra da Coreia (1950-53).
Os EUA nunca assinaram um tratado de paz no fim da guerra civil em que apoiou o
Sul. Portanto, do ponto de vista da Coreia do Norte, os EUA tecnicamente ainda
estão em guerra consigo. E "exercícios de guerra"
anuais pelas forças estado-unidenses em torno da Península
Coreana são encaradas como uma ameaça intimidatória. Sob o
direito internacional, esta dissimulação dos EUA é uma
agressão aceitável contra a Coreia do Norte.
Também se deve ter em mente que quando a Coreia do Norte empenhou-se em
conversações multilaterais para cessar seu programa nuclear, mais
de 20 anos atrás, foram os EUA sob o presidente GW Bush que actuaram de
má fé ao renegar compromissos assumidos para fornecer tecnologia
nuclear civil e outras formas de ajuda ao desenvolvimento. Sentindo-se
traído, o Norte retomou seu programa de armas nucleares, tendo o seu
primeiro teste com êxito ocorrido em 2009. Desde então a Coreia do
Norte efectuou quatro destes testes. E um sexto poderia estar iminente.
Como observou esta semana o presidente Vladimir Putin, os EUA atribui-se a si
próprio o direito de exigir desarmamento unilateral enquanto
ameaça também com mudança de regime. E assim, quando a
Coreia do Norte responde a esta arrogante intimidação de
Washington com o desenvolvimento de armas, Washington reage com ainda mais
brutalidade, como se a Coreia do Norte estivesse a afrontar normas
internacionais.
Diplomacia e diálogo são o único meio para resolver o
conflito coreano, velho de décadas. Mas para isto acontecer, não
deveriam ser impostas à Coreia do Norte condições
prévias para primeiro "mostrar bom comportamento". Quem
são os EUA para exigirem "bom comportamento" a alguém?
Deve haver respeito mútuo e um reconhecimento mútuo dos EUA de
que suas forças militares na região são parte do problema,
não parte da solução. Só ao fazer um pleno
compromisso de paz na Coreia através de um Tratado de Paz, e com a
retirada das suas forças da região, poderá ser encontrada
uma saída pacífica.
A arrogância americana é tão perigosa como suas numerosas
armas de destruição em massa apontadas à Coreia. E
enquanto essa arrogância monstruosa prevalecer, a Coreia do Norte tem o
direito de desenvolver resolutamente seus meios de defesa.
16/Maio/2017
O original encontra-se em
www.strategic-culture.org/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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