A única vitória no Afeganistão é a do ópio
A democracia revela-se uma droga menos poderosa
por Michel Chossudovsky
[*]
Desde a invasão do Afeganistão comandada pelos americanos, em
Outubro de 2001, o tráfico de ópio no Crescente
Dourado disparou. Segundo os meios de comunicação
americanos, este contrabando, muito rendoso, é protegido por Osama ben
Laden, pelos Talibãs e, evidentemente, pelos senhores da guerra, que
desafiam a comunidade internacional.
Dá-se a entender que o comércio de heroína enche os
cofres dos Talibãs. Segundo o Departamento de Estado Americano,
o ópio constitui uma fonte de rendimento de vários milhares
de milhões de dólares para grupos extremistas e criminosos. A
eliminação da produção de ópio é
fundamental para o estabelecimento de uma democracia segura e estável e
para a vitória da guerra contra o terrorismo.
De acordo com o
United Nations Office on Drugs and Crime (ONUDC)
, a produção de ópio no Afeganistão
é estimada, para 2003, em 3 600 toneladas, com uma superfície
cultivada da ordem dos 80 000 hectares. Para 2004, prevê-se uma colheita
ainda maior.
Como reacção à subida da produção de
ópio pós-Talibã, a administração Bush
aumentou as suas actividades antiterroristas, atribuíndo montantes
substanciais de dinheiro dos contribuintes às operações da
Drug Enforcement Administration (DEA), na Ásia ocidental.
Todos em coro, os meios de comunicação americanos acusam o
defunto regime islâmico, sem mencionar sequer que os Talibãs, em
colaboração com as Nações Unidas, tinham imposto
com êxito a interdição da cultura da papoila, em 2000. A
produção de ópio baixou para 90%, logo a seguir, em 2001.
Na realidade, o aumento da cultura de ópio coincidiu com o
desencadeamento das operações militares sob comando americano e a
queda do regime talibã. Entre os meses de Outubro e Dezembro de 2001, os
camponeses recomeçaram a plantar papoila em grande escala.
O êxito do programa de erradicação da droga no
Afeganistão, no ano de 2000, sob os Talibãs, foi sublinhado na
sessão de Outubro de 2001 da Assembleia Geral das Nações
Unidas. Nenhum outro país-membro da ONUDC havia posto em prática
um programa semelhante.
A seguir aos bombardeamentos americanos do Afeganistão, em 2001, o
governo britânico de Tony Blair foi encarregado, pelos países
membros do G-8, de executar um programa de erradicação da droga
no Afeganistão que, em teoria, devia permitir aos camponeses
afegãos passar da produção do ópio para culturas
alternativas. Os britânicos trabalhavam a partir de Kabul, em
relação estreita com a DEA americana.
Mas o programa britânico de erradicação das culturas
é uma cortina de fumo. Desde Outubro de 2001, a cultura da papoila
aumentou em flecha. A presença das forças de
ocupação no Afeganistão não teve como resultado a
eliminação da cultura da papoila. Pelo contrário.
Sob os Talibãs, a proibição tinha, de facto, provocado
o começo de uma penúria de heroína na Europa, em
finais de 2001, como admite a ONUDC.
A heroína é um comércio de vários milhares de
milhões de dólares, mantido por poderosos interesses, que requer
um fluxo regular e seguro de mercadoria. Um dos objectivos ocultos
da guerra era precisamente o de repor o tráfico da droga, apadrinhado
pela CIA, nos seus níveis históricos e exercer um controle
directo sobre as rotas da droga.
Em 2001, com os Talibãs, a produção de opiáceos
elevava-se a 185 toneladas, para seguidamente subir a 3 400 toneladas em 2002,
sob o regime do presidente Hamid Karzai, títere dos Estados Unidos.
Sublinhando sempre a patriótica luta de Karzai contra os Talibãs,
os meios de comunicação esquecem-se de mencionar que ele
já colaborou com estes últimos. Também já tinha
estado empregado numa petrolífera dos Estados Unidos, a UNOCAL. De
facto, desde meados dos anos de 1990, Hamid Karzai agia como consultor e
elemento de pressão da UNOCAL nas negociações com os
Talibãs.
Segundo o jornal saudita
Al-Watan
, Karzai era agente secreto da Central Intelligence Agency, a partir dos
anos de 1980. Ele colaborava com a CIA, encaminhando a ajuda americana aos
Talibãs, desde 1994, quando os americanos, secretamente e através
dos paquistaneses, apoiavam as ambições de poder dos
Talibãs.
É útil recordar que a história do tráfico de droga
no Crescente Dourado está intimamente ligada às
operações clandestinas da CIA na região.
Antes da guerra soviético-afegã (1979-1989), a
produção de ópio no Afeganistão e no
Paquistão era praticamente inexistente. Segundo Alfred McCoy, não
havia nenhuma produção local de heroína.
A economia afegã da droga foi um projecto minuciosamente concebido pela
CIA, com a assistência da política externa americana.
Tal como foi revelado pelos escândalos do Irão-Contras e do Banco
de Comércio e de Crédito Internacional (BCCI), as
operações clandestinas da CIA de apoio aos mujaidines tinham sido
financiadas através do branqueamento do dinheiro da droga.
O semanário
Time
revelava, em 1991, que, pelo facto de quererem fornecer aos rebeldes
mujaidines do Afeganistão mísseis Stinger e outros equipamentos
militares, os Estados Unidos tinham necessidade da total
cooperação do Paquistão. A partir de meados dos anos
de 1980, a presença da CIA em Islamabad era uma das mais importantes do
mundo. Um oficial do serviço de informações americano
havia confiado ao
Time
que, então, os Estados Unidos fechavam voluntariamente os olhos ao
tráfico de heroína no Afeganistão.
O estudo de Alfred MacCoy confirma que, no espaço de dois anos,
após o desencadeamento das operações clandestinas no
Afeganistão, em 1979, as regiões fronteiriças entre
o Paquistão e o Afeganistão tornaram-se a primeira fonte mundial
de heroína, fornecendo 60% da procura americana.
De acordo com MacCoy, este tráfico de droga era secretamente controlado
pela CIA. À medida que ganhavam terreno no Afeganistão, os
mujaidines ordenavam aos camponeses que plantassem ópio, como taxa
revolucionária. Nessa época, as autoridades americanas
recusaram-se a investigar vários casos de tráfico de droga dos
seus aliados afegãos. Em 1995, o antigo director das
operações da CIA no Afeganistão, Charles Cogan, admitiu
que a CIA tinha efectivamente sacrificado a guerra à droga pela Guerra
Fria.
A reciclagem do dinheiro da droga pela CIA era utilizada para financiar as
insurreições pós-Guerra Fria na Ásia Central e nos
Balcãs, incluindo a Al Qaeda.
Os rendimentos gerados pelo tráfico da droga afegã patrocinado
pela CIA são consideráveis. O comércio afegão dos
opiáceos constitui, à escala mundial, uma grande parte dos
rendimentos anuais dos narcóticos, avaliados pelas Nações
Unidas num montante da ordem dos 400 ou 500 mil milhões. Na altura em
que estes números da ONU foram tornados públicos (1994),
calculava-se que o comércio mundial da droga era da mesma ordem de
grandeza que o do petróleo.
Segundo os números de 2003, publicados por
The Independent
, o tráfico de droga constitui o terceiro comércio mais
importante em dinheiro, depois do petróleo e da venda de armas.
Existem poderosos interesses comerciais e financeiros por detrás da
droga. Deste ponto de vista, o controle geopolítico e militar das rotas
da droga é tão estratégico como o do petróleo e o
dos oleodutos.
Contudo, o que distingue a droga dos comércios legais é que os
narcóticos constituem uma importantíssima fonte de riqueza,
não só para o crime organizado mas também para os
serviços americanos de informação, que, cada vez mais,
são um poderoso actor nas esferas bancárias e financeiras.
Por outras palavras, as agências de informação e os
poderosos grupos de negócios aliados ao crime organizado estão em
concorrência pelo controle estratégico das rotas da
heroína. Os rendimentos de várias dezenas de milhares de
milhões de dólares provenientes do comércio da droga
são depositados no sistema bancário ocidental.
Este comércio só pode prosperar se os principais actores
implicados na droga tiverem amigos políticos nos mais altos
níveis. As empresas legais e ilegais estão cada vez mais
imbricadas e a linha de demarcação entre homens de
negócio e criminosos é cada vez mais ténue.
Consequentemente, as relações entre criminosos, políticos
e agentes dos serviços de informação minaram as estruturas
do Estado e o papel das suas instituições.
A economia da droga no Afeganistão é protegida. O
comércio da heroína fazia parte dos planos de guerra. O que essa
guerra terá conseguido foi o restabelecimento de um narco-regime,
dirigido por um governo fantoche apoiado pelos Estados Unidos.
18/Jun/2004
[*]
Este artigo é uma tradução abreviada do texto do autor, em
inglês, intitulado
Washington's Hidden Agenda: Restore the Drug Trade the Spoils of War: Afghanistan's Multibillion Dollar Heroin Trade
, Abril 2004:
O original encontra-se em
http://globalresearch.ca/articles/CHO406A.html
.
Tradução de MJS.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
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