Dizer não à ALCA

por José Reinaldo Carvalho [*]

Trabalhadores brasileiros manifestam-se contra a ALCA Nunca é demais retornar ao tema ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), questão que tende a assumir centralidade na ação política dos movimentos populares e partidos de esquerda da América Latina. A agenda política está repleta de eventos em que o plano de anexação continental do imperialismo norte-americano será posto em cheque. Em diversos países sul e centro-americanos e caribenhos realizar-se-ão nos próximos meses consultas, enquetes e plebiscitos não oficiais, auspiciados por entidades sindicais e populares, em que a população será chamada a dizer SIM ou NÃO à ALCA. Estão previstas mobilizações e a realização de encontros nacionais e continentais com a idéia-força de condenar a ALCA.

A própria campanha eleitoral em curso no Brasil é um momento privilegiado para debater o tema e ajudar a esclarecer o povo brasileiro sobre um projeto que terá implicações de longo prazo para a vida nacional. Não faltará, como não tem faltado, tergiversação. O candidato do governo e outros que podem ser adequados ao sistema diversionam e até procuram se esquivar do espinhoso problema. Ao contrário, Lula, da coligação PT, PCdoB, PL, PMN, PCB no ato de lançamento do seu programa em Brasília deixou clara a posição das forças antineoliberais brasileiras: nos termos em que está proposta, a ALCA é inaceitável.

A ALCA não serve à América Latina. Menos ainda ao Brasil. Não por razões conjunturais que possam ser contornadas no âmbito de negociações pontuais bilaterais e\ou multilaterais, mas pelas assimetrias entre a nossa economia e a do gigante do Norte. Essas assimetrias expõem o país a sérios riscos, condicionarão a "concorrência", com graves repercussões sobre a sua estrutura produtiva. Não pode haver incoerência maior entre preconizar" esforço exportador" e aceitar a ALCA. A obtenção de maiores saldos comerciais é incompatível com a integração do Brasil na área de livre comércio concebida pelos Estados Unidos. A defesa da soberania brasileira requer a rejeição da ALCA.

No governo, as forças progressistas deverão combinar firmeza com sabedoria e utilizar com habilidade as imensas potencialidades da economia brasileira, o fato de que temos a terceira economia do hemisfério, a mais industrializada e diversificada do hemisfério sul e oportunidades ainda inexploradas de parcerias comerciais vantajosas. É um mito dizer que não podemos dizer NÃO, porque nos isolaríamos.

O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, demitido do Itamaraty devido à sua patriótica posição contra a ALCA, conhecedor profundo do assunto, chega a opinar que mesmo que os demais países latino-americanos aderissem, o Brasil poderia sozinho percorrer um caminho alternativo à ALCA. São considerações importantes porque não podemos nos embalar com a expectativa de entrar numa ALCA "ideal".

Por duas razões muito simples que convém ressaltar. Primeiro, porque a ALCA foi gerada segundo uma concepção imperialista de domínio do mundo, na qual a hegemonia absoluta sobre as Américas pelos Estados Unidos é essencial. Quando George Bush I lançou a idéia de criar a ALCA durante seu giro na América Latina em 1992, os Estados Unidos estavam embriagados com o triunfo sobre o "Império do Mal" e convencidos de que chegara o momento do seu apogeu e da vitória definitiva da "civilização" por eles liderada. À esquerda e à direita, houve quem se deixasse fascinar pela idéia. O período que se seguiu, a "era Clinton", foi paradigmático do poder de sedução desse império. Uma década depois, a estratégia é a mesma. Mudam apenas as circunstâncias em que o imperialismo busca sua concretização: crise em seu sistema econômico e financeiro, predominância de uma política agressiva, em que o recurso à guerra é uma opção banal para os círculos dominantes na Casa Branca e um ambiente de efervescência política de massas, com rebeliões de diferentes tipos, em que se vão mesclando os ingredientes de uma situação objetivamente revolucionária, o que é tema sobre o qual nos deteremos em outro momento.

A segunda razão por que não devemos nos deixar embair pela promessa de uma ALCA ideal radicada na crise do sistema econômico e financeiro norte-americano. Os Estados Unidos hoje dependem da ALCA como questão de sobrevivência. Com um déficit comercial global na casa dos 400 mil milhões de dólares, os Estados Unidos apostam na ALCA como fonte para compensar essas imensas perdas de sua economia em crise. A América Latina é a única região do mundo com a qual os Estados Unidos podem obter superávit comercial. Para isso, contam, com prioridade, com o mercado brasileiro.

No debate sobre a ALCA é comum a abstração do fator tempo. Certo, a ALCA não está em vigor e há tempo para manobrar, resistir, protelar, ganhar forças para impedir que se consume o plano neocolonialista. Mas tenhamos em conta que há uma institucionalidade da ALCA em pleno funcionamento que tende a criar fatos consumados e irreversíveis.

Desde o giro latino-americano de Bush I em 1992, realizaram-se três Cúpulas das Américas - Miami (1994), que proclamou a ALCA, Santiago (1998) e Quebec (2002) - e sete reuniões de ministros do Comércio do Hemisfério, que deram partida e desenvolveram negociações e puseram em marcha grupos de trabalho, comissões temáticas e comitês e estão cumprindo à risca um cronograma de trabalho e entendimentos com prazos definidos, cujo momento decisivo será o ano de 2005. Portanto, para se reposicionar, o país precisa de tempo, o que implica suspender as negociações em curso. De outro modo, nos restaria entrar primeiro na ALCA e discutir depois, o que seria inócuo. Grosso modo, é como a sangria de divisas. Ou se interrompe, ou o país irá para a crise cambial, a liquidação das reservas, a moratória técnica...

Colocadas as coisas nesses termos, trata-se de criar as condições políticas para um confronto de interesses inevitável entre o Brasil e o imperialismo norte-americano. A grandeza do problema exige perspicácia, amplitude de métodos, clareza de objetivos. A luta contra a ALCA tem que servir ao Brasil, antes de servir a mesquinhos projetos de grupelhos inadaptados à unidade popular e à luta de massas. Em nome da soberania nacional, da defesa do Brasil, é urgente fazer um chamamento a dizer NÃO à ALCA, criar fóruns e movimentos amplos que permitam a manifestação do vasto espectro de correntes e setores que se opõem à anexação neocolonialista do Brasil.

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[*] Jornalista, Vice-presidente nacional do Partido Comunista do Brasil, responsável pela Secretaria de Relações Internacionais do Comitê Central.

O original deste artigo encontra-se em
http://www.vermelho.org.br/diario/0725/ze_reinaldo_0725.asp

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13/Ago/02