Goa: amaldiçoada pela sua riqueza mineral

por Emily Bild

cartoon de Khalil Bendib. Situada na costa ocidental da Índia, Goa é famosa como praia paraíso tão apreciada pelos indianos como pelos turistas estrangeiros. No interior, apenas a alguns quilómetros dos restaurantes elegantes e das ondas cristalinas que lambem as praias prateadas do mais pequeno estado indiano, as minas de minério de ferro estão a destruir o ambiente, afirmam os activistas e os locais.

Shirgao não passa de uma das muitas aldeias goesas do norte que estão a sofrer os efeitos do boom da exploração do minério de ferro desde 2000. "As companhias mineiras escavaram por baixo do lençol aquífero e destruíram todas as nossas fontes", diz Francis Fernandes (não é o seu nome verdadeiro), de 55 anos, morador na aldeia. "Na nossa aldeia, as pessoas dependem dos arrozais para viver. Mas nos últimos sete anos, não têm conseguido cultivar as terras porque deixou de haver possibilidade de irrigação. As ocupações tradicionais estão a ser destruídas. As pessoas também estão a sofrer de tuberculose e de outras doenças [agravadas ou] provocadas pela poluição. Neste momento estamos a ter uma vida miserável".

A paisagem à volta da aldeia de Fernandes está sulcada por enormes minas, profundamente escavadas no rico solo vermelho. As companhias que ali operam incluem duas das maiores operadoras de extracção de minério de ferro no estado – a Dempo Mining e o Chowgules Group.

Desde 2008 que o estado de Goa contribui com mais de 30 por cento das exportações de minério de ferro da Índia, segundo os números de exportação. Os lucros da indústria vão para o governo federal e para mais de 100 companhias mineiras no estado, muitas das quais são operadoras privadas de pequena dimensão. A maior companhia mineira de Goa é a Sesa Goa, uma subsidiária da Vedanta Resources, com sede na Grã-Bretanha. A Sesa Goa exportou 4 milhões de toneladas de minério de ferro em 2008 e declarou lucros após impostos de 296 178 660 dólares. Outros importantes actores na indústria incluem a Dempo Mining, a Sociedade de Fomento, o Chowgules Group e as Salgaocar Mining Industries. Todas estas companhias têm a sua sede em Goa.

Entre 2002 e 2007 estas companhias e as outras mais pequenas contribuíram para duplicar as exportações de minério de ferro de Goa para cerca de 40 milhões de toneladas por ano. Este boom foi estimulado fundamentalmente pela procura crescente da indústria de aço da China. Os ambientalistas ainda se queixam mais perante o facto de que todo o minério de ferro de Goa é exportado para o estrangeiro e insistem em que as minas devem ser fechadas, afirmando que o estado está a ser destruído a fim de desenvolver a economia da China.

Com efeito, a indústria do minério de ferro que enriquece o governo federal e as companhias mineiras contribui com menos de 1 por cento para as receitas totais de Goa. Os activistas e os críticos da indústria dizem que as companhias mineiras não estão a recompensar suficientemente o estado e as pessoas como Fernandes.

Um dos problemas é o sistema de royalties pelo qual Goa e outros estados ricos em minério de ferro recebem uma taxa fixa entre 0,08 e 0,52 dólares por tonelada, de acordo com a qualidade do minério. Este sistema leva a que o minério de ferro da Índia se situe entre os mais baratos do mundo, já que a maior parte dos países usa uma avaliação ad valorem (uma proporção do valor do artigo) que é ajustável ao preço do mercado internacional.

Os estados ricos em minério como Goa estimam que podiam duplicar os seus ganhos com a indústria mineira se a Índia mudasse para um sistema ajustável. "As royalties são totalmente arbitrárias", diz Ritwick Dutta, um eminente advogado ambientalista e fundador da Environmental Impact Assessment Resource and Response Center (ERC), com base em Delhi. "Como é que se chega a esse número? Os impactos ambientais e sociais não estão a ser considerados".

As receitas para os estados ainda são mais reduzidas porque se permite que a indústria auto declare os níveis de produção, oferecendo assim às companhias a grande oportunidade de declarar por defeito a fim de aumentar os seus lucros. Sujay Gupta, vice-presidente de comunicações de uma das maiores companhias mineiras de Goa, a Sociedade de Fomento, confirma que existem abusos, mas diz que estes se limitam a companhias recém-estabelecidas para se aproveitarem do boom do minério de ferro.

"As operadoras temporárias estão pura e simplesmente a roubar. Está a ser extraído muito mais [minério de ferro] do que o que é declarado", afirma.

O departamento de minas de Goa está "actualmente a examinar estas queixas e à procura de formas de impor restrições à actividade ilegal", diz Shri A. T. D'Souza, geólogo sénior da divisão de minas do governo do estado de Goa.

Companhias, como o Resourceful Group, que opera uma mina na área Sanguem no sul de Goa, defendem a indústria como a "espinha dorsal da economia de Goa", assinalando que a indústria mineira emprega 11 000 pessoas directamente e um número semelhante indirectamente, através do transporte do minério. Mas a maior parte destes empregados são trabalhadores migrantes de estados como Bihar e Uttar Pradesh, com altos níveis de pobreza e de desemprego.

"Em Goa, não é a indústria que determina o padrão de vida, mas o padrão de vida que determina a indústria", diz o Dr. Claude Alvares, director da Fundação Goa, uma organização ambientalista com 20 anos de existência. "Os goeses param aquando dos festivais religiosos e noutras ocasiões. Por isso as companhias mineiras preferem empregar não goeses que são uma fonte de mão-de-obra mais dependente".

Impactos ambientais

Embora os benefícios para Goa e para a sua gente sejam limitados, os prejuízos para o ambiente são extensos.

A Fundação Goa diz que a actividade mineira provocou muito maior destruição ao ecossistema de Goa do que todas as outras actividades económicas no estado, incluindo o turismo e as fábricas químicas.

A prática vulgarmente utilizada de mineração "a céu aberto" cria mais de 3 toneladas de desperdício por cada tonelada de minério de ferro produzido. Este desperdício polui rios e lagos – muitos dos quais se tingem de vermelho com o minério de ferro. As práticas mineiras também poluem a terra, prejudicando a vida animal, invadindo as quintas e dando cabo da fertilidade do solo. A paisagem está juncada de enormes montes de terra deslocada pelas escavações.

Gupta reconhece que o ambiente está a ser prejudicado, mas culpa novamente os recém-chegados que apareceram depois do boom. "Dado o aumento do número de actores – e a quantidade de exploração mineira actual – provocaram-se prejuízos no ambiente e aumentou a pressão sobre o lençol aquífero. É necessário muito trabalho para melhorar a sustentabilidade da indústria mineira em Goa".

O impacto ambiental é exacerbado pela coincidência da cintura de minério de ferro da Índia com o Ghats ocidental, um frágil ecossistema listado como um dos 12 pontos ecológicos sensíveis do mundo. Rico em diversidade biológica de plantas e de vida animal, a área montanhosa estende-se por 1 600 quilómetros, entrando terra adentro ao longo do comprimento da costa oeste da Índia, através dos estados de Goa, Maharashtra, Karnataka, Tamil Nadu e Kerala.

Os efeitos da exploração mineira no estado ultrapassam os da poluição directa. A indústria também está a provocar impacto nas infra-estruturas, na qualidade do ar e na segurança pública. Todos os dias, mais de 12 mil camiões vão e voltam das minas até ao principal porto de Goa, Marmugão, libertando pó e gases de escape. Embora a carga máxima legal seja de 10 toneladas por camião, a maior parte dos veículos anda com sobrecarga, transportando 15 ou 16 toneladas, e danificam as estreitas estradas de Goa. Como os motoristas são pagos por carga, precisam de fazer o maior número de viagens por dia e têm pouco incentivo para andar devagar e com cuidado. "Há muitos acidentes por causa dos camiões", disse Anthony Da Silva numa manifestação anti-mineira em Goa em Fevereiro de 2009.

Alguns activistas exigem a cessação das actividades mineiras até serem tratadas as preocupações ambientalistas. "Será mesmo possível suspender a actividade mineira?" pergunta Gupta. "A exploração mineira ocorre em todos os países. Há uma enorme procura de aço que só é satisfeita através da extracção do minério de ferro. Os argumentos contra a actividade mineira são defeituosos. Em vez deles, devia haver uma exigência forte de uma actividade mineira sustentável".

Respondendo às acusações de que a indústria está a fazer muito pouco para proteger o ambiente, D'Souza, da divisão de minas do governo de Goa, pergunta, "Quanto é que é o suficiente? Com exploração mineira a céu aberto há sempre prejuízos".

A água está a tornar-se rara

Os activistas alertam para que "parte" dos prejuízos ambientais a quintas, a florestas e aos recursos de água já se tornaram irreversíveis. O medo pelo futuro e a destruição já visível desencadearam a inquietação do público.

"É uma questão de sobrevivência para o estado", diz o activista local, Sebastian Rodriques. "Estamos perante uma destruição geral – uma grande catástrofe na próxima década". A Sociedade de Fomento está agora a processar o conhecido activista por difamação.

"A situação vai piorar significativamente durante os próximos cinco anos, em especial no que se refere ao abastecimento de água", avisa Ramesh Gaunes, professor em Bicholim no norte de Goa, que há uma série de anos tem vindo a fazer campanha contra os abusos ambientais da indústria mineira.

Muitos activistas concentram-se na vulnerabilidade do abastecimento de água na região, apesar da sua vasta rede de rios e lagos. Algumas comunidades deixaram de ter água potável, e em muitas aldeias, incluindo Pisfurlem e Shirgao, no norte de Goa, e Muscauvrem, no sul de Goa, os recursos de água secaram quase totalmente.

Estas comunidades dependem agora das companhias mineiras para serem abastecidas de água por camião. "Costumávamos ter água canalizada na nossa aldeia", explica Fernandes da aldeia Shirgao, "mas agora há muito pouca quantidade de água. De vez em quando as companhias trazem-nos água, por exemplo, durante as épocas festivas, mas só porque o governo as obriga a isso. Na maior parte do tempo debatemo-nos com falta de água".

"Depois da destruição dos sistemas subterrâneos, é preciso trazer carros-tanques para fornecer água. O que acontecerá a estas comunidades quando as companhias mineiras deixarem de enviar os carros-tanques?" pergunta o Dr. Claude Alvares, director da Fundação Goa.

Esse dia está a chegar. Os proprietários das minas prevêem que as reservas de minério de ferro estarão esgotadas dentro de 10 a 20 anos e nessa altura as companhias ir-se-ão embora, deixando as comunidades a braços com a seca.

Projectos simbólicos de responsabilidade empresarial social

"Há pessoas a ganhar lucros enormes à nossa custa" disse D'Silva em público num encontro anti-mineiro em Goa em Fevereiro.

Mas as companhias afirmam que estão a recompensar as comunidades em termos de projectos sociais e ambientais. Em 2000 cerca de 14 companhias mineiras goesas fundaram a Fundação Mineira de Goa para implementar esquemas de responsabilidade empresarial social (CSR) em comunidades afectadas pela extracção mineira. "No início, fazíamos sobretudo trabalho de caridade", explica o director executivo da Fundação, Swaminathan Shridhar. "Actualmente, estamos a fazer CSR em sentido verdadeiro".

Mas o altruísmo não é a única motivação. "É uma boa imagem para as companhias ser membro da Fundação Mineira, quando requerem as suas dispensas ambientais", diz Shridhar. As despesas totais da fundação em 2007-08 foram de 607 357 dólares. Embora algumas companhias também implementem os seus próprios projectos CSR independentemente da fundação, este orçamento é uma ninharia em comparação com os seus enormes lucros. As duas maiores companhias – a Sesa Goa e a Dempo Mining – declaram lucros conjuntos após impostos de mais de 530 milhões de dólares por ano.

A qualidade de alguns dos projectos CSR também tem levantado dúvidas. Embora alguns projectos de educação e de saúde tenham beneficiado as comunidades locais, outros esquemas, como o pagamento de 2 dólares por dia a mulheres para varrer a poeira das estradas depois de os camiões passarem, são considerados genericamente como uma perda de tempo e de recursos, e estão desfasados das necessidades da comunidade. Na aldeia de Shirgao, onde o meio de vida foi fortemente afectado pela actividade mineira, "As companhias nada fizeram por nós", diz Fernandes. "Não trouxeram nem escolas nem hospitais para a nossa aldeia".

Algumas companhias contra argumentam que a sua capacidade de realização de boas obras é embaraçada por activistas ambientalistas e organizações comunitárias que se recusam a trabalhar com elas para melhorar a situação. "Estamos a estender a mão a activistas anti-minério, mas eles não estão dispostos a entender-se connosco", diz Gupta da Sociedade de Fomento.

Mas enquanto que o ritmo da reforma é lento, a exploração mineira de ferro está em expansão. Segundo o Centro de Ciência e Ambiente, uma organização de investigação e consultoria com sede em Delhi, 8 por cento do estado já está abrangido pela actividade mineira. E, se forem autorizados todos os pedidos de concessão actualmente pendentes, mais de 25 por cento deste estado paradisíaco ficará vulnerável à devastação ambiental já iniciada.

Parece que Goa, abençoada por um solo fértil e praias cintilantes, está amaldiçoada pela sua riqueza em minério. "Agora que a actividade mineira já destruiu o nosso abastecimento de água, as pessoas estão a tentar abandonar a aldeia. Mas é difícil – são gente pobre, dependente da terra para sobreviver", diz Fernandes.

23/Abril/2009

O original encontra-se em http://corpwatch.org/article.php?id=15351. Tradução de Margarida Ferreira.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
31/Jul/09