Reflexões
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I. Breve aproximação teórica
1. A teoria da nulidade 1.1. A nulidade ab initio 1.2. A teoria do acto jurídico nulo ratificado: uma aproximação limitada 1.3. Uma explicação insuficiente, não conforme com a prática e a evolução do Direito Internacional 2. As IFIs (instituições financeiras internacionais) e as multinacionais estão sujeitas ao Direito Internacional 3. Da evolução do Direito Internacional: o Tribunal de Nuremberga e a noção de organização criminosa 4. A solução prevista pelo direito internacional II. A prática internacional e a problemática da nulidade das dívidas públicas 1. Uma obrigação de transmissão de obrigações em Direito Internacional? 2. A nulidade de dívidas segundo a prática internacional III. Da responsabilidade dos credores Notas |
O tratamento do tema da dívida externa do ponto de vista do Direito
Internacional e nacional é relativamente recente. O mesmo pode dizer-se
da problemática da responsabilidade das instituições
financeiras internacionais e das multinacionais, tratado sobretudo a partir dos
anos setenta. Trata-se, em consequência, de um terreno que deve, no
entanto ser explorado com o fim de que as instituições e pessoas
morais privadas assumam as responsabilidades históricas que lhes cabem.
A sentença do Tribunal Penal Federal argentino é uma fonte
contemporânea privilegiada que confere novos impulsos a este tema e de
modo particular, à conduta delituosa e à consequente
responsabilidade das IFIs e dos grupos financeiros privados.
A problemática da nulidade da dívida é abordada
principalmente em função da prática internacional e das
normas internacionais que a regem. No entanto, a reflexão não
pode esgotar-se nestes pontos, mas deve avançar noutras
direcções. Em especial, em tudo o que se refira à
evolução do Direito Internacional em matéria de
responsabilidade internacional, de tal forma que se possa avançar na
busca de instrumentos jurídicos eficazes para que os cidadãos e
as vítimas das condutas dolosas ou delituosas destes grupos possam fazer
valer os seus direitos.
I. Breve aproximação teórica
1. A teoria da nulidade
A chamada nulidade do acto jurídico é uma categoria
jurídica bem conhecida em quase todos os ramos do Direito. As diversas
ordens jurídicas internas sancionam certos actos jurídicos pela
via da ausência absoluta de efeitos. A ratificação da
nulidade ou invalidade substancial de um acto jurídico obedece
normalmente à necessidade de sancionar condutas ilegais graves que
afectam o interesse geral ou que perturbam a ordem pública.
Em princípio, quando se trata de actos substancialmente nulos, a
característica principal é que toda a pessoa ou grupo de pessoas
que tenham um interesse, que sejam parte ou terceiros num acto convencional,
pode reclamar a declaração de nulidade dos actos jurídicos.
A teoria da nulidade do acto aplica-se a todos os ramos do Direito
Internacional; os contratos internacionais são do mesmo modo
incluídos principalmente quando estão em jogo certas regras de
base do Direito Internacional. Em Direito Internacional existem normas que
exigem, por um lado, o seu absoluto respeito, e por outro, uma conduta
determinada no sentido de que os sujeitos de direito internacional,
incluídas as pessoas físicas e morais privadas, devem fazer
respeitar a norma imperativa.
Não é tolerada nenhuma derrogação ou
excepção, seja esta referente a matéria de tratados ou
à de contratos internacionais. A exigência de respeito de normas
imperativas abarca os tratados, convenções ou acordos
internacionais da mesma forma que contratos internacionais não conformes
com elas ou em contradição com essas normas. O campo das
relações económico-financeiras está incluído
nesta exigência.
A perspectiva do tratamento do tema exclui
prima facie
a teoria da anulabilidade do acto jurídico concluído entre um
governo, actuando como agente do Estado em direito internacional, e os
credores, tanto privados como públicos, em matéria de
dívida pública.
1.1. A nulidade
ab initio
O ponto de partida adoptado implica que um acto jurídico, segundo as
condições prescritas pela prática internacional, pode
caracterizar-se por ser substancialmente nulo. A noção de
substancialmente nulo remete para a figura jurídica de nulidade
ab initio
, bem conhecida em Direito, incluído o Direito internacional. Nesta
matéria, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
contem disposições referentes à nulidade de um acto
convencional: o erro, o dolo e a corrupção
[1]
. A Convenção incluiu também como causal de nulidade de um
acto convencional a coerção exercida sobre o representante do
Estado
[2]
. No que respeita à nossa matéria, trata-se da análise das
condições requeridas para que um acto seja considerado legalmente
contraído.
Se um acto jurídico internacional concluído por um governo for
considerado lícito, a consequência directa é que os seus
efeitos devem ser assumidos pelos governos seguintes. Esta é uma regra
reconhecida em Direito Internacional e está relacionada com a ideia da
continuidade do Estado. De acordo com esta regra, o Estado permanece obrigado
pelos actos jurídicos concluídos pelos governos anteriores que
deixaram de exercer. Em princípio, quando um governo actua como
órgão do Estado nas relações internacionais ou como
sujeito soberano com grupos privados (contratos internacionais), o Direito
Internacional apreende o fenómeno como um acto jurídico estatal,
independentemente da natureza do regime de governo
[3]
. Em princípio, cada vez que um governo actua no plano das
relações internacionais através da assinatura de acordos
ou contratos internacionais, manifestando-se por este acto o exercício
da soberania estatal, é o próprio Estado que se compromete, e os
sucessivos governos estariam obrigados a cumprir as obrigações
assumidas por aquele.
Mesmo assim, se um governo actuou em violação de normas do
Direito Internacional ou da ordem jurídica interna estatal, segundo uma
corrente teórica, este acto que em princípio pode ser considerado
nulo, pode ser objecto de ratificação por parte do governo
posterior.
1.2. A teoria do acto jurídico nulo ratificado: uma
aproximação limitada
Esta aproximação parte do princípio seguinte: o acto
jurídico de um governo com outro sujeito de Direito Internacional ou com
uma pessoa privada (por exemplo, multinacionais financeiras) que aparece a
priori nulo
ab initio
pode ser ratificado ou confirmado por um acto posterior de outro governo.
Esta teoria da ratificação do acto nulo constitui uma corrente de
Direito Internacional. Segundo o que dela se depreende, os actos
jurídicos nulos
ab initio
podem ser considerados válidos se os mesmos tiverem sido
"legalizados" por um acto ulterior de um governo que disponha de
legitimidade e competências necessárias. Se em Direito
Internacional nada impede efectivamente que um governo posterior
ratifique um acto nulo
ab initio
, esta explicação pode, certamente, ser considerada muito
limitada. Com efeito, o Direito Internacional e em especial a prática,
ilustram inúmeros casos em que actos jurídicos foram considerados
nulos quando os que concluíram os ditos actos internacionais careciam
das competências necessárias ou quando os actos jurídicos
foram concluídos em detrimento dos direitos básicos dos povos
afectados ou cuja finalidade foi simplesmente considerada como ilícita.
Os exemplos mais citados neste campo referem-se ao que é conhecido como
"governo usurpador", mas não se limitam a esse caso. A
ratificação do acto nulo por um governo posterior transforma o
acto ilícito em lícito. Com esta legalização, o
acto jurídico que havia sido contraído ilicitamente, produz todos
os efeitos legais. A subsistência de efeitos legais significa que o
Estado como tal, como sujeito de Direito internacional, deve continuar a
assumir as obrigações decorrentes de tal ou de tais actos
jurídicos. Assim, se um governo de facto tiver contraído
obrigações financeiras internacionais em violação
das suas próprias competências ditadas pela ordem interna ou em
violação do Direito Internacional, e que esse acto seja nulo, o
governo posterior pode, por outro acto, tornar aquele legal e continuar a
assumir as ditas obrigações financeiras. Existem na
prática exemplos de actos que foram legalizados posteriormente: é
o caso da dívida externa argentina contraída pela ditadura
militar; o caso da dívida do Ruanda contraída pelo regime
genocida e legalizada pelo governo posterior, entre outros exemplos.
Segundo Anzilotti
[4]
, a validade do acto jurídico internacional é independente da
influência do direito interno. Que o acto tenha sido contraído em
violação da ordem constitucional interna não teria assim
nenhuma incidência sobre a validade do acto jurídico
internacional. Em todos os casos, seja um governo de facto ou constitucional,
quando o poder seja efectivo, o mesmo está habilitado para actuar como
órgão do Estado em Direito Internacional. E quando actua como
órgão do Estado, é o próprio Estado que se
compromete, que se obriga por um acto jurídico, visto que o Estado tem a
qualidade de sujeito de direito internacional. O artigo 27 da
Convenção de Viena acolhe este postulado, reafirmando a primazia
do direito internacional sobre o direito interno. De acordo com esta
disposição, um Estado parte de um tratado, não pode
invocar o seu Direito interno como elemento justificativo da não
execução das obrigações internacionais. Mas, a
mesma Convenção acrescenta no seu artigo 46, que a
violação manifesta da ordem jurídica interna de uma
importância fundamental constitui fonte de invalidade do acto
jurídico. Por outro lado, a prática demonstra que actos
jurídicos internacionais são considerados nulos quando tenham
sido contraídos em violação das regras do Direito
Internacional.
1.3. Uma explicação insuficiente, não conforme com a
prática e a evolução do Direito Internacional
Quando actos jurídicos são concluídos por uma
instituição financeira internacional ou por um grupo financeiro
privado com um governo cuja origem se encontra na ruptura de uma ordem legal
constitucional precedente, este facto entre tantos outros, implica segundo o
Direito Internacional e a prática internacional, a nulidade de actos no
campo económico-financeiro internacional.
Se a esta categoria clássica acrescentamos a evolução do
Direito Internacional em matéria de normas chamadas imperativas, o acto
nulo acarreta ainda, com circunstâncias agravantes, consequências
para os credores privados ou públicos.
Efectivamente, se um governo implementa uma política sistemática
de violação grave dos direitos humanos, através da
execução em grande escala de crimes contra a Humanidade e que o
apoio económico-financeiro concedido pelas instituições
financeiras internacionais ou pelos grupos privados implica que esse governo
disponha dos meios necessários para continuar essa política de
violação sistemática dos direitos humanos, para
além da nulidade do acto jurídico, esta acção
compromete directamente a responsabilidade, tanto das
instituições financeiras, como dos grupos financeiros privados e
dos seus responsáveis.
2. As IFIs (instituições financeiras internacionais) e as
multinacionais estão sujeitas ao Direito Internacional
Neste sentido, é importante repetir que o Direito Internacional exige o
respeito absoluto dessas normas
de jus cogens
a todos os sujeitos, sejam pessoas morais com personalidade jurídica
internacional ou pessoas morais ou grupos de pessoas físicas
consideradas "privadas". Afirmar ou concluir que as IFIs e as
multinacionais escapam a estas regras de Direito Internacional
(consuetudinárias), na medida em que estas não constituem os
sujeitos aos quais aquelas se dirigem, é tomar uma posição
um tanto apressada e ligeira. O Direito Internacional não sustenta este
tipo de afirmação. Em virtude de vários instrumentos
internacionais, todas as pessoas são consideradas como
responsáveis dos seus actos. Podemos citar em especial a
Convenção complementar à abolição da
escravatura, do tráfico de escravos e de instituições e
práticas análogas à escravatura, de 1956, a
Convenção para a prevenção e punição
do crime de genocídio, os Estatutos de Nuremberga, o Estatuto do
Tribunal Penal Internacional de Roma, a Convenção contra a
tortura e outras penas ou tratos cruéis, inumanos ou degradantes, entre
outros numerosos instrumentos.
É indiscutível que, em geral as IFIs e as multinacionais
estão sujeitas ao Direito Internacional consuetudinário. Desta
perspectiva, as IFIs podem ser imputadas como responsáveis, por faltarem
à obrigação de prevenção ou à
obrigação geral de vigilância. Estas podem ser imputadas
igualmente como responsáveis das violações de normas de
base do Direito Internacional, sobretudo no campo dos direitos civis
políticos, económicos, sociais e culturais, cujo carácter
obrigatório hoje já não pode ser posto em causa.
3. Da evolução do Direito Internacional: o Tribunal de Nuremberga
e a noção de organização criminosa
Não restam hoje dúvidas sobre o facto que as regras de
protecção dos direitos humanos têm um estatuto de regra
consuetudinária, e que em certos casos, a protecção desses
direitos goza do estatuto de norma imperativa. Esta regra
consuetudinária aplica-se igualmente às
Instituições financeiras internacionais e às
multinacionais como pessoas morais. Isto é particularmente exacto no
caso do FMI e do BM, visto existir a presunção que, enquanto
instituições especializadas da ONU, aquelas aderiram aos
princípios enunciados na Carta das Nações Unidas.
Por outro lado, pode afirmar-se que o Direito Internacional se aplica
também, tanto aos grupos privados, como às pessoas tomadas
individualmente, afirmação correcta sobretudo no âmbito dos
direitos civis e políticos e em matéria penal internacional.
Constata-se então que as IFIs e as multinacionais das finanças,
tal como o indivíduo e os grupos de indivíduos, estão
submetidos às regras gerais do Direito internacional. Seria pertinente
dizer que as violações das regras de base do Direito
Internacional, como consequência do apoio económico-financeiro,
pode ter consequências, para além da nulidade do acto, no campo da
responsabilidade destes sujeitos, ainda mais quando se trata de
violações constitutivas de especial gravidade.
Se tivermos em conta a evolução do Direito Internacional
pós-Nuremberga, em particular em tudo o que concerne à
noção de organizações criminosas e à
pertença a estes grupos, esta categoria é aplicável tanto
às organizações financeiras internacionais como às
multinacionais financeiras. Para clarificar esta afirmação,
citaremos o caso da política do apartheid aplicada pelo governo
sul-africano contra a população negra. A política do
apartheid foi reconhecida como "crime contra a humanidade" pela
Resolução 33/183 de 24 de Janeiro de 1979. Já em 1977, a
Comissão de Direitos Humanos da ONU
[5]
havia qualificado as actividades das empresas multinacionais (incluídas
as financeiras privadas internacionais) como constitutivas de actos
caracterizados como crimes contra a humanidade e como encorajando a
continuação da política racista planificada e executada em
grande escala. Isto implica que estamos frente ao que o Tribunal de Nuremberga
denominou "organizações criminosas".
A mesma atitude e prática são censuradas às
instituições financeiras internacionais, especialmente ao FMI, as
quais, contra as normas imperativas do Direito Internacional, deram o seu apoio
de forma directa e substancial a um regime cuja prática assentou
inteiramente em crimes contra a Humanidade. Sem o apoio das empresas
multinacionais e das IFIs, o regime racista da África do Sul nunca teria
podido implementar a longo prazo este tipo de crime contra a Humanidade.
Pode dizer-se que estes organismos, tanto públicos como privados, com a
sua atitude de apoio directo a um regime criminoso, fomentaram e encorajaram a
prática de crimes contra a Humanidade. E que através das suas
acções particulares de apoio a esse regime, actuaram sob a
"protecção da lei racista sul-africana", o que os torna
cúmplices de crimes contra a Humanidade. Trata-se, sem nenhuma
dúvida, de um comportamento ilícito em Direito Internacional,
cuja origem radica na violação sistemática das normas
essenciais de convivência da Humanidade.
Neste último caso, do ponto de vista jurídico, os
responsáveis destas instituições e os das firmas privadas
financeiras internacionais, podem ser considerados como cúmplices
directos ou participantes directos, como encobridores ou como tendo cometido
uma grave negligência dolosa. Em nossa opinião, estas
instituições actuaram sob a "protecção da
ordem legal imposta" por um regime racista.
4. A solução prevista pelo direito internacional
Face a este tipo de comportamento delituoso, o Direito Internacional
prevê duas soluções. Por um lado, a invalidade substancial
de todos os actos jurídicos cumpridos em violação das
regras de base, incluídos os actos jurídicos concluídos
entre o governo e as pessoas físicas ou morais, sob a figura de
contratos internacionais.
Por outro lado, o Direito Internacional reconhece e consagra o direito à
reparação para as vítimas destas políticas de
violações graves do Direito Internacional, figura que se aplica
em princípio aos que participaram de forma directa ou indirecta em tais
violações.
Se tivermos em conta esta notável evolução do Direito
Internacional, as IFIs e as multinacionais das finanças devem assumir
todas as consequências dos seus actos de cumplicidade e conivência
com regimes que planificaram e executaram crimes contra a Humanidade.
No caso do governo racista sul-africano, a pergunta de fundo que subsiste
depois desta exposição é a seguinte: os actos
contraídos por aquele governo obrigam os governos posteriores a
assumi-los como válidos? São estes actos nulos, incluídos
aqueles que pertencem ao domínio económico-financeiro?
No nosso ponto de vista, estamos ante a figura de actos nulos
ab initio
por duas razões:
a) Por um lado, estes actos jurídicos internacionais, incluindo os
contratos internacionais, foram contraídos ao abrigo de uma ordem
constitucional visceralmente contrária ao Direito Internacional. Essa
ordem constitucional de dominação racial não pode em
nenhum caso ser usada como argumento para derrogar uma norma de
jus cogens
segundo os termos da Convenção de Viena sobre o Dfireito dos
tratados
[6]
. Todos os actos jurídicos, mesmo os contraídos com os
particulares en exercício da qualidade de sujeito internacional, podem
ser considerados como não geradores de efeitos jurídicos.
b) Por outro lado, além do vício de fundo assinalado acima,
ignorou-se um princípio de base do Direito Internacional, principio
reafirmado largamente pela prática internacional: o povo segregado pela
violência do poder racista não participou na conclusão
desses actos. O regime carecia da legitimidade necessária para
comprometer os recursos financeiros do Estado.
O recurso à prática internacional pode juntar outros argumentos
às reflexões precedentes.
II. A prática internacional e a problemática da nulidade das dívidas públicas
1. Uma obrigação de transmissão de
obrigações em Direito Internacional?
A primeira pergunta, e principal, a que deve responder-se é a seguinte:
um governo posterior ou um Estado, tem a seu cargo uma obrigação
jurídica de assumir (e portanto de reembolsar) as dívidas
contraídas por outro governo ou por outro Estado? Por outras palavras, e
independentemente de a dívida ser considerada de regime ou de Estado,
existe em direito internacional um princípio jurídico que
consagre a transmissão de dívidas públicas?
Segundo a doutrina dominante, em Direito Internacional existe efectivamente um
princípio de transmissão de dívidas. Assim, Luis Anderson
defende que "
os actos políticos e legais de um regime de
facto são actos de Estado, e as obrigações decorrentes
desses actos comprometem o Estado, mesmo quando se produza uma mudança
posterior de governo"
[7]
. De acordo com esta hipótese, um governo posterior a uma ditadura ou a
um governo usurpador não pode pronunciar-se sobre o carácter das
dívidas contraídas pelo governo precedente
[8]
que actuou como órgão de Estado em Direito Internacional. O
Direito Internacional é indiferente ao facto de determinar se um acto
legal de governo tem a sua origem numa ditadura ou num governo
democrático: estes actos serão sempre considerados como actos de
Estado da parte dos órgãos que actuam em seu nome.
Esta hipótese descarta
a priori
qualquer pronunciamento sobre o carácter da dívida publica: o
acto jurídico compromete o Estado e a obrigação
internacional subsiste ao governo precedente. Da mesma maneira, em nome do
princípio da continuidade do Estado, as dívidas de um Estado
anterior deverão ser assumidas pelo Estado sucessor.
Outra corrente doutrinal solidamente fundamentada sobre a prática
internacional, sustenta que as dúvidas públicas podem e devem ser
valorizadas por um governo posterior ou ser consideradas no âmbito da
sucessão de Estados. Assim, segundo Saack, as dívidas
contraídas por um governo usurpador ou uma dívida
contraída com objectivos ilícitos podem ser consideradas como
dívidas odiosas
[9]
, ou seja, como actos que um governo posterior ou um Estado sucessor não
estão obrigados a reembolsar.
Em matéria de sucessão de Estados, Sepúlveda
[10]
e Jezé
[11]
entre outros autores
[12]
defendem que em Direito Internacional não existe um princípio
jurídico que obrigue o Estado sucessor a participar no serviço de
reembolso das dívidas públicas. Este argumento foi defendido pela
Rússia, no que se referia à dívida turca durante o
Congresso de Berlim em 1878; pela França face à dívida
publica malgache depois da anexação de Madagascar
[13]
; pela Grécia em relação à dívida otomana
durante a Conferência de Lausanne em 1922-1923, e pela Alemanha a
respeito da dívida austríaca, depois da sua
anexação em 1938. O argumento utilizado é o seguinte:
não é o Estado beneficiário o que contraiu a dívida
pública.
Na questão da Reparação da dívida otomana,
[14]
a tese defendida pela Turquia consistia em afirmar que o Direito Internacional
estabelece um princípio geral de sucessão ou transmissão
das dívidas públicas. O árbitro único designado
pelas partes naquele diferendo, negou de maneira categórica que a
obrigação da sucessão das dívidas públicas
seja um princípio de Direito Internacional. Deste modo, nem os
territórios que estiveram sob dominação britânica
(formalmente sob a denominação de mandato) nem a
Grã-Bretanha estavam obrigados a assumir as dívidas
contraídas pelo Estado turco
[15]
. As obrigações contraídas pelo Império otomano
não produzem assim nenhum efeito legal sobre os territórios ou
sobre a nova potência dominante.
A prática internacional mostra que em Direito Internacional não
existe o princípio geral de sucessão ou de transmissão de
dívidas públicas. São as circunstâncias particulares
de cada caso que determinarão se a obrigatoriedade de transmissão
de dívidas públicas é ou não aplicável.
2. A nulidade de dívidas segundo a prática internacional
Um caso histórico exemplar é o que se refere à
reparação das dívidas de alguns países depois da
assinatura do tratado de paz conhecido como Tratado de Versalhes
[16]
. As delegações alemã e prussiana sustentaram que as
dívidas contraídas com vista à colonização
do território polaco deviam transitar para o novo Estado, neste caso a
Polónia. Esta tese implicaria que o Estado sucessor e o povo que habita
o seu território, têm o encargo de reembolsar a dívida
externa contraída em seu nome, ainda que esta tivesse o objectivo de
colonizar o seu território.
Os aliados sustentaram a tese oposta
[17]
segundo a qual, a Polónia, como estado sucessor, não estava
obrigada pelo Direito Internacional a assumir aquelas dívidas ou a
pagá-las, já que as mesmas tinham sido contraídas por
Estados cujo objectivo era a colonização do seu território
[18]
, objectivo considerado como ilícito. Este género de
dívida é nulo e pode ser considerado como uma "dívida
odiosa"
[19]
.
Outro caso célebre foi o que opôs os Estados Unidos e a Espanha no
referente à existência ou não de uma
obrigação do Estado cubano, libertado da dominação
colonial espanhola, de assumir as dívidas contraídas pela Coroa.
Espanha argumentou que Cuba, como Estado sucessor era obrigada a reembolsar as
dívidas contraídas pelo Estado espanhol (sob a forma
política de monarquia)
[20]
. Na Conferência de Paz Hispano-americana celebrada em Paris em 1898, a
delegação estadunidense argumentou que Cuba, como Estado
sucessor, não tinha nenhuma obrigação de assumir o encargo
da dívida contraída por Espanha. Dois argumentos foram invocados
para fundamentar esta posição. Primeiro, tratava-se de uma
dívida contraída por um regime de dominação
colonial, e segundo, este regime de dominação é
per se
a negação do Direito, visto ter ignorado de maneira intencional
os direitos do principal interessado: o povo cubano. Segundo os argumentos
desenvolvidos pelos Estados Unidos, este tipo de dívida é nula e
deve ser considerada como "dívida odiosa". Segundo a
delegação norte-americana: "The debt was contracted by Spain
for national purposes, wich in some cases where alien and in others actually
adverse to the interest of Cuba
in reality the greater part of it was
contracted for the purpose of suporting a Spanish army in Cuba"
[21]
.
A Comissão deu razão aos Estados Unidos, concluindo que era
juridicamente impossível que tais dívidas fossem transferidas
para o Estado e para o povo cubanos
[22]
. Em consequência, o Estado cubano não tinha nenhuma
obrigação de assumir a "transmissão de
dívidas".
É interessante assinalar que os argumentos desenvolvidos pelos Estados
Unidos têm como fonte a sua própria prática
[23]
. Efectivamente, as antigas colónias, que lograram conquistar a sua
independência da dominação britânica constituindo-se
como um Estado, negaram-se categoricamente a assumir a mais mínima parte
da dívida pública contraída pelo Estado britânico ou
a mínima porção de dívida contraída em seu
nome pelo colonizador, neste caso, o Estado britânico. O Estado
independente nascido da revolução contra a
dominação inglesa não se considerou vinculado em Direito
Internacional por actos jurídicos estatais internacionais
concluídos sem a participação do povo
[24]
. Este tipo de dívida pode ser analisada em doutrina tanto sob a
noção de "dívida de regime" ou vista à
luz da sucessão de Estados
[25]
. Seja qual for o ponto de vista a considerar, este tipo de repúdio de
dívida é por um lado, um acto lícito em Direito
Internacional e por outro, como acto lícito constitui a
negação prática da existência de uma
obrigação de transmissão de dívidas. Além
disso, é uma dívida odiosa e portanto nula em Direito
Internacional.
Outro exemplo histórico é o da sentença arbitral que
opôs a Grã-Bretanha à Costa Rica a propósito das
obrigações contidas em contratos assinados entre aquela e o
governo de Federico Tinoco, que chegou ao poder através de um golpe de
Estado que derrubou o governo de Alfredo González
[26]
. Neste caso, a Grã-Bretanha exerceu a protecção
diplomática em favor das empresas que concluíram contratos com o
governo de Tinoco. O governo que se sucedeu ao de Tinoco, que foi por sua vez
derrubado em 1919, promulgou a lei 41 de 22 de Agosto de 1922, pela qual todos
os contratos concluídos pelo governo de Tinoco entre 27 de Janeiro de
1917 e 2 de Setembro de 1919 foram considerados nulos. Este acto implicava que
os actos jurídicos do governo posterior não produziam
obrigações para o governo sucessor. O argumento britânico
consistia em que o governo posterior estava obrigado a assumir as
obrigações contraídas pelo governo de Tinoco e em
consequência, obrigado à execução das
obrigações contratuais.
A questão do diferendo foi resolvida pelo árbitro único, o
qual reconheceu que os actos concluídos pelo regime usurpador de Tinoco
não produziam nenhum efeito e que portanto o governo sucessor não
estava obrigado pelos actos concluídos por esse regime despótico
[27]
.
Assim, nem o Estado nem o governo posterior, como órgão do
Estado, estão obrigados a assumir encargos financeiros quando os actos
jurídicos anteriores são nulos.
O Directo Internacional ensina, assim, que os actos governamentais e os actos
jurídicos internacionais pelos quais um governo usurpador ou uma
ditadura contraíram obrigações em nome do Estado
(incluindo as obrigações financeiras) são actos nulos
[28]
. A prática internacional considera que o Direito Internacional
não impõe nenhum encargo ou obrigação
jurídica. Pelo contrário, em caso de dívida
contraída por um governo usurpador, esta "...não é
obrigatória para a nação; é uma dívida de
regime, dívida pessoal do poder que a contraiu e em consequência
desaparece com a queda do regime"
[29]
.
É evidente que em matéria da extinção das
dívidas "
o sucessor não tem que reconhecer
dívidas contraídas por causa de insolvência ou incapacidade
das autoridades precedentes. Muitas obrigações financeiras a
cargo de um país são contraídas apenas para
benefício de um regime
a teoria das chamadas dívidas
odiosas
parece ser uma tese sustentada consistentemente na prática
internacional para deixar de cobrir dívidas do predecessor"
[30]
.
III. Da responsabilidade dos credores
As considerações precedentes colocam igualmente o problema da
responsabilidade dos credores, sejam eles pessoas físicas ou morais ou
de Direito privado ou de Direito Internacional.
O Tribunal de Paris pronunciou-se sobre esta questão numa
sentença que não deixa lugar a dúvidas. O caso referia-se
às exigências de credores do governo de Bonaparte, os quais
reclamaram a execução das obrigações ao governo
posterior. Relativamente à responsabilidade dos credores, na sua
sentença de 1847 o Tribunal afirmou que "...
presunção de dolo e de fraude aplica-se a um contrato
voluntariamente concluído com um governo usurpador, contrato
substancialmente nulo, segundo os princípios do Direito público
comum a todas as nações"
[31]
.
Desta sentença depreende-se em primeiro lugar que os credores, em caso
de empréstimos outorgados a ditaduras ou a um governo usurpador, o fazem
por sua conta e risco e à sua inteira responsabilidade. Em
consequência, estes credores não têm nenhuma base legal para
reclamar o pagamento das dívidas contraídas por este tipo de
governo. Não existe uma presunção
juris et de juris
da validade de tais dívidas públicas. Pelo contrário, a
carga da prova é invertida: são os credores quem deve demonstrar
que as dívidas foram contraídas por um governo legal e nos
limites do respeito da ordem interna do Estado em questão e com uma
finalidade lícita
[32]
. Em segundo lugar, os credores que concedem empréstimos a governos
ditatoriais podem ser presumidos como actuando com dolo e fraude, o que
acarretaria além de tudo, a sua responsabilidade penal.
Este tipo de conivência, de dolo e de fraude entre credores e devedores
ficou bem demonstrado na Sentença Olmos
[33]
. Nesta, o Juiz Federal penal revela de forma clara o papel essencial
desempenhado pelo FMI no processo de endividamento argentino e do apoio
financeiro dado por esta instituição a um regime que cometeu os
mais graves crimes contra a Humanidade, actuando em perfeito conhecimento de
causa da natureza de tal regime
[34]
. Prova desta conivência com o regime argentino, cujos
responsáveis são acusados de crimes contra a Humanidade, é
o facto de o FMI ter destacado um funcionário técnico para
trabalhar directamente com o governo ditatorial argentino.
Dada a possibilidade de invocar a responsabilidade penal dos mais altos
funcionários do FMI por cumplicidade em crimes contra a Humanidade
[35]
, esta instituição não pode invocar a legalidade de
acordos assinados com um regime criminoso e menos ainda, reclamar o reembolso
de dívidas contraídas de forma fraudulenta com a sua estreita
colaboração. Esta é claramente uma divida odiosa e nula.
As vítimas deste governo que contou com a colaboração e
apoio financeiro directo do FMI, possuem toda a legitimidade em Direito
Internacional para reclamar a essa instituição que assuma a
obrigação legal de reparação, segundo as regras da
responsabilidade internacional em matéria de actos ilícitos
internacionais. A sentença argentina fornece elementos decisivos, que
poderiam ser utilizados como argumentos jurídicos objectivos em Direito
Internacional.
Ainda assim, esta sentença faz parte do Directo Internacional, visto que
trata da acção de um órgão do Estado e da
política de sujeitos de Direito Internacional, como é o caso do
FMI e do BM. Por último, é importante dizer que esta
sentença fornece elementos que induzem a não descartar
a priori
a figura de cumplicidade das IFIs com a política de crimes
internacionais
[36]
levada a cabo pela ditadura argentina. No que respeita aos possíveis
recursos das vítimas, o problema principal que se coloca é o que
se refere à imunidade destas instituições.
O artigo IX do FMI consagra a imunidade, tanto para a instituição
como tal, como para os seus funcionários no desempenho das suas
funções. O BM por seu lado, não dispõe de uma
fórmula similar. O artigo VII, secção 3 dos seus estatutos
não descarta uma acção dos particulares, incluindo o
direito à reparação das vítimas ou dos seus
sucessores, no caso de uma actividade delituosa ou comportamento de
"organização criminosa" serem provadas.
Prima facie
, como se trata de violações de uma gravidade excepcional das
normas de
jus cogens
do Direito Internacional, a questão da imunidade não pode servir
como "cortina de protecção", visto que se trataria de
um acto voluntário de apoio ou ajuda substancial a tal regime.
Mas, independentemente destas questões, a conclusão de base que
se depreende da análise da prática internacional é que
é nulo este tipo de dívida porque é odiosa nos termos
aplicados pela prática internacional.
___________
Notas
1 Figura conhecida também pela designação
"irregularidade substancial". Ver artigos 48, 50 da
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.
2 Artigo 51.
3 Cansacchi G., "Identité et continuité des sujets
internationaux", RCADI, 1970, II, pp. 587-704.
4 Anzilotti, D., Cours de droit international, Sirey, Paris, 1929, pp. 50-70.
5 Resolução 7 ( XXXIII) de 4 de Março de 1977.
6 Artigo 53.
7 Relatório de Luis Anderson, ministro das Relações
Exteriores da Costa Rica, apresentado ao III Congresso Científico
Pan-americano, Lima , 20 de Dezembro de 1924 - 6 de Janeiro de 1925, p. 105.
8 Despargnet, F., Cours de droit international public, Paris, 1910,
quatrième edit., revu par Charles de Boeck, p. 125.
9 Saack, A.-N., Les effets des transformations des Etats sur leurs dettes
publiques et autres obligations. Traité juridique et financier, I-
Dettes publiques, Recueil Sirey, Paris, 1927, p. 158. ver igualmente p. 41.
10 Sepúlveda, C., Curso de Derecho Internacional, ediciones
Porrúa, México D.F., 1960, p. 258 y ss.
11
Jezé, G., Cours general des finances et de législation
financière. Dépenses publiques. Thèorie
générale du crédit public, París, 1922, 6ºed.,
p. 290.
12 Segundo Carlos Calvo, os actos jurídicos de um governo
intermédio ou predecessor serão considerados válidos
unicamente nos casos em que esses actos estejam em conformidade com os
preceitos da ordem jurídica interna, em particular, conformes com a
Constituição. Cf. Calvo C., Le droit international.
Théorie et pratique, Paris, 1880, p. 219.
13 Ver loi du 6 août 1896.
14 Interpretação dos artigos 46 e 47 do Tratado de Lausanne de
1923.
15 Recueil des Sentences arbitrales (RSA) publié par les Nations Unies,
vol. I, p. 573.
16 Tratado de 28 de Junho de 1919.
17 Esta doutrina está materealizada no artigo 92 do referido tratado.
18 Ver especialmente o artigo 254 do Tratado de Versalhes.
19 Saack, A.-N., Op. cit., p. 160.
20 Moore, J. B., Digest of International Arbitration, vol. I, Memorandum of
Spanish peace Commission, Paris, 11 octubre 1898, S. Doc; G2, 55 Cong part 2,
p. 873 y ss.
Notas
21 Moore, J. B., op. cit., p. 367. Ver igualmente p. 359.
22 Moore, J. B., op. cit., p. 358.
23 Para uma análise mais detalhada, consultar Alliance pour un Monde
responsable et solidaire, pôle de socio -economie solidaire, novembre
2001, pp. 6-7.
24 Rosseau, Ch., Droit international public,Dalloz, Paris, 1984,
deuxième edit., p. 186.
25 Rosseau, Ch., op. cit., p. 187.
26 "Arbitration between Great Britain and Costa Rica", American
Journal of International Law, 1924, Nº 1, pp. 153 y ss.
27 "Arbitration between Great Britain and Costa Rica", op.cit., pp.
154-155.
28 Gemma, S., "Les gouvernements de fait", RCADI, 1924, pp. 358 y ss.
29 Saack, A.-N., Op. Cit., p. 157.
30 Sepúlveda, C., Curso de Derecho Internacional, ediciones
Porrúa, México D.F., 1960, p. 260.
Notas
31 Recueil général des lois et des arrêts, tome XII,
deuxième partie, p. 219 .
32 Saack, A.-N., Op. cit., p. 28.
33 Causa Nº 14.467, Alejandro Olmos S/dcia. Expediente No. 7.727,
tramitado ante Juzgado Nacional en lo Criminal y Correccional Federal.
Sentencia del 13 de Julio de 2.000. Denominado Sentencia Olmos.
34 Sentença Olmos, pp. 72-74 y 76.
35 De facto, o apoio incondicional dado pelo FMI e pelo BM pode ser
interpretado como uma "ajuda substancial ao regime". Por outro lado,
os mais altos responsáveis e funcionários do FMI e do BM
não puderam e não podiam ter ignorado que estavam a tratar com um
regime usurpador e ditatorial que planificou e executou de forma
sistemática os mais graves crimes contra a humanidade, no sentido
formulado pelos Estatutos do Tribunal de Nuremberga e pela
evolução posterior do Direito Internacional. Numerosos actos e
instrumentos internacionais que se fizeram eco das denúncias dos
cidadãos argentinos destas práticas e delitos internacionais
podem ser invocados em favor desta argumentação. Neste sentido,
existem pontos de encontro entre a conduta particular delituosa das IFIs e das
multinacionais relativamente ao regime do apartheid e à ditadura
argentina.
36 Ver I, pontos C e D.
__________
[*]
Jurista argentino especializado em Direito Internacional. Investigador
jurídico
do CADTM (Comissão para a Anulação da Dívida
Externa dos países do Terceiro Mundo).
O original encontra-se em
http://www.iade.org.ar/Re/Articulos/Na/art/articulo%20193%20Bis.html
.
Tradução de Carlos Coutinho.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.